A Argentina começou a cobrar um pedágio das embarcações que passam por uma hidrovia que atravessa o território dela. O ministro da Economia viajou ao Paraguai e disse que iria rever a cobrança, mas isso não aconteceu.
O Paraguai e a Argentina vêm se desentendendo neste ano por causa de duas questões que, a princípio, não são relacionadas:
- A cobrança de um pedágio em uma hidrovia pela qual passa cerca de 80% das exportações do Paraguai.
- As contas relativas a Yacyretá, uma usina hidrelétrica que os dois países têm em comum.
Em agosto, o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, chegou a se encontrar com o presidente do Paraguai, Santiago Peña, para tentar chegar a acordos, mas de lá para cá a situação piorou: os paraguaios afirmam que nesse encontro houve um compromisso para que a Argentina parasse de cobrar o pedágio, e isso simplesmente não aconteceu.
O Brasil, assim como o Paraguai, não concorda com a cobrança do pedágio na hidrovia, mas para os paraguaios essa via para exportar é muito mais importante.
O desentendimento vai ser encaminhado ao Mercosul, disse o Ministério de Relações Exteriores do Paraguai ao g1.
Indiretamente, o Brasil também é parte do desentendimento relativo à hidrelétrica: Massa, o ministro da Argentina, diz que o Brasil paga muito menos pela energia de Itaipu do que a Argentina pela energia de Yacyretá.
O que é a hidrovia Paraguai Paraná?
Hidrovia é um trecho de rio que, para ser navegável, precisa passar por adaptações. Por exemplo: dragagem para aumentar o calado (profundidade), que permite a navegação de grandes embarcações.
Em 1994, houve um acordo entre cinco países da América do Sul para criar essa hidrovia e estabelecer as regras. As nações são:
- Argentina;
- Bolívia;
- Brasil;
- Paraguai;
- Uruguai,
A hidrovia passa pelos rios Paraguai e Paraná. Ela começa em Cáceres, em Mato Grosso, e termina em Nueva Palmira, no Uruguai.
Pelo acordo, um país só vai poder impor imposto, tarifa ou tributo sobre as embarcações se houver um entendimento entre todos os membros.
Mapa mostra a hidrovia Paraguai Paraná — Foto: Kayan Albertin/g1
A cobrança de pedágio
No dia 1º de janeiro de 2023 o governo da Argentina começou a cobrar um pedágio de US$ 1,47 (R$ 7,25) por tonelada das embarcações que atravessam um trecho do rio Paraná que começa na cidade de Santa Fé, na Argentina.
A Argentina afirma que prestar serviços para a navegação na hidrovia. O país cita que tem custos com sinalização, dragagem e segurança. Pelos cálculos do país, isso custa entre US$ 20 milhões e 25 milhões por ano.
Segundo fontes do governo brasileiro, esses custos de fato existem, mas a imposição da cobrança fere a cláusula que determina que um tributo precisaria ser acordado com todos os membros da hidrovia.
A Comissão Permanente de Transporte da Bacia do Prata, composta por representantes dos cinco países signatários do acordo, diz que as condições do rio no trecho em questão permitem a passagem de embarcações com calado menos profundo sem a necessidade de dragagem e que não é preciso sinalizar nada no trecho.
Por que o Paraguai é o país mais afetado?
Jose Luis Salomon, da Câmara de Comércio Paraguai Estados Unidos, diz que os empresários do Paraguai apoiam o governo do país deles nessa disputa com a Argentina.
“O conflito é com todos os países que usam a hidrovia. A argentina decidiu de forma unilateral cobrar pedágio, e há um acordo que claramente se diz que não se podem aplicar pedágios de forma unilateral. Essa hidrovia é muito importante para o Paraguai, é nossa principal conexão com o mundo”, diz ele, lembrando que o Paraguai não tem costa marítima.
Segundo o Centro de Armadores Fluviais e Marítimos (Cafym) do Paraguai, cerca de 80% das exportações do país e 19% das importações passam por essa hidrovia.
Pelos cálculos do Cafym, esse pedágio custará cerca de US$ 40 milhões por ano para os paraguaios.
O que os outros países afirmam
A Argentina diz que essa é uma discussão técnica. Paraguai, Brasil, Bolívia e Uruguai são contra o pedágio, e os representantes desses países acionaram o Comitê Intergovernamental da Hidrovia.
O governo do Paraguai decidiu levar a questão para o Tribunal Permanente de Resolução de Conflitos do Mercosul.
A discussão sobre a represa
O Paraguai e a Argentina se desentenderam por um outro tema: as dívidas e a venda de energia de uma hidrelétrica que os dois países têm em comum, Yacyretá.
Essa hidrelétrica foi construída com um arranjo parecido com a de Itaipu. Criou-se uma entidade binacional, a Argentina custeou a construção, e o Paraguai pagou uma dívida pelas décadas seguintes, além de haver um acordo para a venda de excedente de energia por um preço fixado.
O Paraguai, portanto, tem uma dívida com a Argentina pela construção da usina de Yacyretá, mas ao mesmo tempo ganha dinheiro porque vende energia gerada na hidrelétrica para os argentinos.
O dinheiro da venda de energia
O presidente do Paraguai, Santiago Peña, afirma que a empresa que gerencia a hidrelétrica tem uma dívida de cerca de US$ 150 milhões por venda de energia que não foi paga.
O vice-presidente do Paraguai, Pedro Alliana, afirmou que os paraguaios simplesmente vão parar de vender o excedente para a Argentina.
A Argentina afirma que o Paraguai ainda deve muito dinheiro pela construção, e há um desentendimento a respeito do valor presente da dívida: a Argentina afirma que há cerca de US$ 14 bilhões de juros a serem pagos.
Peña diz que os dois desentendimentos não têm relação nenhuma.
O Paraguai chegou a abrir as comportas para diminuir a capacidade de geração da usina, mas depois elas foram parcialmente fechadas novamente.
Sergio Massa, o ministro da Economia da Argentina, afirma que o país dele paga mais pela energia gerada por Yacyretá do que o Brasil paga pela energia gerada em Itaipu.
Por Felipe Gutierrez, g1