O g1 teve acesso a detalhes da investigação que mostra que dupla ficou foragida por 20 dias antes de se apresentar na polícia. Levados para o presídio, eles ficaram pouco mais de 4 horas presos até serem liberados por decisão judicial.
Investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) por suspeita de corrupção em quatro municípios da Baixada Fluminense, dois empresários deixaram seus apartamentos dois dias antes da operação policial para prendê-los.
Alexandre Milleli Rodrigues e Nilton Cleber Barbosa Júnior são réus em uma ação que tramita em uma das Varas Especializadas em Organização Criminosa do Tribunal de Justiça do RJ.
Pouco mais de 48 horas antes de a operação ser deflagrada, em 22 de junho, eles saíram de casa. Eram 8h30 de 20 de junho quando Nilton pegou o elevador até a garagem do prédio.
Os empresários eram os únicos com mandado de prisão expedido pela Justiça. A investigação aponta que empresas, algumas de fachada, foram beneficiadas em licitações em quatro municípios: Belford Roxo, Nilópolis, Nova Iguaçu e São João de Meriti.
São mais de 10 obras sob suspeita e dois secretários de obras afastados dos cargos, de Belford Roxo e de Nilópolis.
Até as 18h de sexta-feira (14), apenas a Prefeitura de São João de Meriti havia respondido às perguntas do g1:
“A Prefeitura de São João de Meriti informa que, dentre as empresas investigadas, possui contrato de manutenção das escolas com uma delas. O contrato encontra-se em vigência, e a licitação ocorreu obedecendo às leis que norteiam a administração pública. A prefeitura tomou ciência do fato a partir da notícia veiculada pela imprensa. O prefeito solicitou à Procuradoria que analise o caso, e isso está sendo feito”.
As outras três prefeituras (Belford Roxo, Nilópolis e Nova Iguaçu) não comentaram o assunto.
O advogado Rafael Faria que defende o empresário Nilton Barbosa Júnior informou que “a defesa já vem se manifestando nos autos do processo e confia na Justiça”.
A defesa do empresário Alexandre Milelli não foi encontrada para comentar o caso.
Pouco mais de 4 horas presos
Doze dias após a operação, os advogados dos empresários Alexandre Milleli e Nilton Barbosa Júnior entraram com pedidos de relaxamento da prisão.
Eles permaneceram foragidos e apenas 20 dias depois da operação, em 11 de julho, a dupla se apresentou à delegacia de Imbariê, na Baixada Fluminense. De lá, foram levados para o Presídio José Frederico Marques, onde Nilton deu entrada às 16h10, e Alexandre, às 16h36.
Às 20h55, a dupla foi colocada em liberdade. O Ministério Público opinou contrariamente, afirmando a necessidade da prisão para a garantia da instrução criminal.
Em sua decisão, o juiz Juarez Costa de Andrade, o mesmo que decidiu por prender a dupla, fundamentou a libertação dos empresários lembrando que eles se apresentaram voluntariamente, o que demonstra para o magistrado que “não há necessidade de mantê-los presos”.
R$ 163 milhões para propinas
Para a Polícia Civil e o MPRJ, os empresários integram uma quadrilha suspeita de pagar propinas para vencer licitações naqueles 4 municípios. A movimentação do grupo, de acordo com relatórios financeiros, chega a R$ 163 milhões.
Esse dinheiro circulou, de acordo com as investigações, em contas bancárias de 14 pessoas e 4 empresas, no período de 2 anos.
No processo, os investigadores mostram que suspeitam que algumas obras foram pagas pelas prefeituras às empresas, mas não foram concluídas — e os servidores que deveriam fiscalizá-las foram corrompidos.
Do total de 10 processos sob suspeita, 4 são da Prefeitura de Belford Roxo e outros 4 de Nilópolis. A lista, até o momento, tem ainda uma obra em São João de Meriti e outra em Nova Iguaçu.
Os investigadores consideram que esse volume de dinheiro que passou por contas bancárias dos suspeitos aponta para o desvio de verbas municipais e indica pagamento de propina para funcionários públicos dessas cidades.
A investigação, que começou em março de 2022, não chegou aos prefeitos desses quatro municípios, mas resultou no afastamento de servidores.
Só em Belford Roxo, cinco funcionários da Secretaria de Obras, entre eles, o secretário da pasta, Odair da Cunha Almeida, não podem ir à prefeitura. O secretário de Obras de Nilópolis, Flávio Vergueiro, também foi afastado do cargo por decisão da Justiça.
R$ 600 mil em um saco plástico
O afastamento dos servidores do cargo, por determinação judicial, aconteceu no mesmo dia da operação.
A investigação teve início em 17 de março de 2022, quando o empresário Nilton Barbosa Júnior foi encontrado pela polícia carregando, na saída de um banco, em Nilópolis, uma sacola plástica com R$ 600 mil.
Após a apreensão, a defesa de Nilton solicitou o valor apreendido e, supostamente, justificou apresentando notas fiscais referentes ao pagamento de serviços de construção contratado pelas prefeituras de São João de Meriti, Nova Iguaçu, Nilópolis, Belford Roxo e Mendes, no Sul Fluminense.
As notas fiscais apresentadas somavam R$ 10,3 milhões entre 2021 e março de 2022. Com esses documentos, os investigadores procuraram os processos administrativos referentes às obras realizadas pela empresa NC Construções e Serviços Eireli.
Com a apuração do caso, descobriu-se que a NC e mais três empresas não funcionam no endereço cadastrado ou então desempenham atividades diferentes do que apontavam seus contratos sociais. Ainda chamaram a atenção mudanças contratuais nas empresas às vésperas das licitações. Para os investigadores, seria uma forma de ocultar os reais sócios dos empreendimentos.
As empresas investigadas têm ainda os mesmos funcionários, contadores, endereços, telefone de contato e endereço de e-mail apontando que pertencem ao mesmo grupo empresarial.
Também chamou a atenção que as empresas vencedoras das concorrências nestas cidades para obras são cadastradas para a atuação em outras atividades: segurança e vigilância privada, locação de automóveis, serviço de transporte de passageiros, comércio atacadista de instrumentos e materiais para uso médico, cirúrgico, hospitalar e de laboratórios, comércio atacadista de artigos de escritório e de papelaria, comércio atacadista de produtos de higiene, limpeza e conservação domiciliar.
Jogo de planilhas
De acordo com os investigadores, os empresários Nilton Barbosa Júnior e Alexandre Milleli se associaram com servidores públicos dos quatro municípios da Baixada Fluminense para vencer licitações combinadas.
A modalidade adotada pelo grupo, segundo investigadores, foi o chamado “jogo de planilhas”, em que falsas concorrências foram criadas para que sempre a empresa de Alexandre Milleli saísse como vencedora. Para isso, os concorrentes eram de fachada.
Outra prática era combinar com os “concorrentes” a atuação em conjunto e coordenado com os investigados, havendo, assim, um revezamento para quem ia vencer as concorrências.
Assim, na suposta disputa, a NC, por exemplo, apresentava a cotação de determinados itens do serviço da obra muito acima do mercado, enquanto outros itens eram oferecidos a preços bastante abaixo do mercado.
A investigação descobriu que, como os preços unitários altos e baixos se compensavam, o valor global da obra fica dentro do que era esperado pelo contratante e não chamava atenção.
Aí, segundo os investigadores, depois que era contratada, a empresa se aproveitava das modificações nos serviços, forçadas ou por deficiência do projeto, reduzindo os itens mais em conta ou aumentando o valor dos mais caros. Prevalecem assim no contrato os itens mais caros.
Assim, a proposta original é distorcida elevando o preço da obra. Altera-se o contrato e um aditivo é feito com a empresa recebendo bem acima do previsto.
Ao mesmo tempo, enquanto o contrato é modificado, os servidores que deveriam fiscalizá-lo são suspeitos de serem corrompidos pela empresa.
A investigação constatou que uma engenheira, fiscal da Prefeitura de Belford Roxo, recebeu em sua conta R$ 3 mil depositados pela NC Construções. Outro fiscal recebeu R$ 10 mil de uma outra empresa em que Alexandre Milleli é investigado. A suspeita é de que os valores ganhos irregularmente sejam maiores.
Por Marco Antônio Martins e Felipe Freire, g1 Rio e TV Globo