Nas despedidas de Sebastião Salgado e José “Pepe” Mujica, o mundo se curva diante de dois legados que exaltaram a dignidade humana, a justiça social e a beleza dos invisíveis.
Por Ana Carolina Chungara
Nos últimos dias, o mundo deu adeus a dois de seus maiores humanistas. No dia 23 de maio de 2025, aos 81 anos, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado faleceu em Paris, vítima de complicações decorrentes de uma leucemia. Apenas dez dias antes, no dia 13 de maio, o ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica também nos deixou, aos 89 anos, após longa batalha contra um câncer esofágico. Duas perdas que, embora separadas por fronteiras, se encontram no mesmo ponto de luz: a celebração da vida dedicada aos outros.
Sebastião Salgado: o olhar que enxergava além da imagem
Economista de formação e fotógrafo por vocação, Sebastião Salgado transformou a fotografia documental em poesia visual. Seus retratos em preto e branco não apenas capturavam cenas — eles traduziam realidades. De trabalhadores rurais a refugiados, de indígenas amazônicos a vítimas de guerras e catástrofes, Salgado expôs ao mundo a beleza resistente de quem insiste em existir, mesmo diante da dor.
Projetos como Êxodos, Trabalhadores, Gênesis e Amazônia são testemunhos visuais da urgência de preservar a vida e a natureza. Mais do que um fotógrafo, Salgado foi um mensageiro da dignidade. Ao lado de sua esposa, Lélia Wanick Salgado, fundou o Instituto Terra, que reflorestou milhares de hectares da Mata Atlântica em Minas Gerais — uma prova de que sua lente apontava também para o futuro.
Pepe Mujica: o presidente que ensinou o mundo a viver com menos
Pepe Mujica foi um dos líderes políticos mais singulares e admirados da América Latina. Ex-guerrilheiro tupamaro, passou mais de uma década preso sob condições desumanas durante a ditadura militar uruguaia. Anos depois, foi eleito presidente do Uruguai, governando entre 2010 e 2015, e ficou conhecido como “o presidente mais pobre do mundo” — título que rejeitava, preferindo ser chamado de “rico em valores”.
Vivendo em sua pequena chácara nos arredores de Montevidéu, Mujica doava a maior parte de seu salário, cultivava flores com a esposa e andava em seu fusca azul. Sua simplicidade, no entanto, contrastava com a profundidade de suas ideias. Defensor da legalização da maconha, dos direitos LGBTQIA+ e do meio ambiente, Mujica inspirou gerações com discursos que misturavam filosofia, economia e humanidade.
O céu em festa: a simbologia de um encontro
É inevitável imaginar, mesmo que poeticamente, um encontro entre Salgado e Mujica no céu — um com suas imagens que falam por aqueles que não têm voz; o outro com suas palavras que ecoam por aqueles que nunca foram ouvidos. Juntos, representam dois modos de ver e transformar o mundo: através da arte e da política, da lente e da fala, do afeto e da ação.
O céu, este espaço simbólico onde os grandes se tornam eternos, hoje se ilumina em silêncio e festa. Silêncio pela perda; festa pelo legado.
O que fica: memória, inspiração e responsabilidade
As partidas de Sebastião Salgado e Pepe Mujica nos deixam órfãos de duas lideranças éticas, sensíveis e comprometidas com o outro. Mas seus legados seguem vivos: nas imagens que ainda comovem, nas frases que ainda provocam, nas árvores que ainda crescem, nas ideias que ainda resistem.
Cabe a nós, aqui embaixo, manter viva a chama que eles acenderam — em preto e branco ou em cores, com palavras ou com atitudes. Porque, como ambos nos ensinaram, a beleza da vida está justamente onde muitos não querem ver: na periferia do mundo, nas margens do sistema, nos gestos que ninguém aplaude, mas que mudam tudo.