DOCUMENTÁRIO QUE RETRATA A QUESTÃO RACIAL NAS NOVELAS BRASILEIRAS É DESTAQUE NO CINE TVT

Diretor Joel Zito diz que após mais de duas décadas do lançamento do filme, muita coisa mudou, mas negros ainda são vistos como “minoria” na televisão

São Paulo – O Cine TVT deste sábado (12) exibe o documentário A Negação do Brasil, que analisa a representação do negro nas telenovelas brasileiras. Lançado em 2001, recebeu o prêmio de melhor filme do Festival de documentários “É Tudo Verdade” no mesmo ano. Dirigido por Joel Zito Araújo, a obra será exibida às 21h30 no canal 44.1 e no Youtube da TVT.

Partindo das suas próprias memórias, Joel Zito revirou os arquivos das televisões em busca das imagens mais significativas no conjunto das telenovelas que foram ao ar no período de 1963 a 1997. O que ele pôde identificar foi a presença marginal de atores, quase sempre relegados a papéis subalternos, como empregadas domésticas, porteiros, ou então representando escravos em dramas históricos.

O filme retrata, por exemplo, a primeira polêmica pública sobre a questão racial na televisão brasileira, quando Sérgio Cardoso, um ator branco, um dos maiores galãs da época, foi escolhido para protagonizar a novela A Cabana do Pai Tomás, produzida pela TV Globo, que foi ao ar em julho de 1969. Adaptação do livro da escritora Harriet Beecher Stowe, retrata o drama da escravidão durante a Guerra Civil nos Estados Unidos (1861 a 1865). Para encarnar o velho escravo Tomas, Cardoso tinha o rosto e o corpo coberto com carvão de cortiça, assim como outros atores que também usavam a prática conhecida como black face.

Preconceito em cena

Além das imagens de arquivo, o filme combina depoimentos de atores negros que se ergueram na luta contra o racismo e pelo fim dos estereótipos nas novelas. Nesse sentido, a atriz Zezé Motta conta que sua vizinha, quando soube que ela fazia curso de Artes Dramáticas na escola O Tablado – renomada referência de teatro no Rio de Janeiro, disparou: “não sabia que para fazer papel de empregada precisava fazer curso”.

Do mesmo modo, Cléa Simões relata que o racismo era tão arraigado, e os estereótipos atribuídos a atores negros tão forte, que colegas de cena chegavam a “confundir”, tratando-a como empregada. “Eu tinha que parar e acertar: ‘Olha, eu sou atriz, e não sou sua empregada, não’.

“Houve um tempo em que eu dizia pra mim: ‘tenho que fazer um personagem de gravata que seja bem-educado, fale bom português e seja bem relacionado. Fui a Janete Clair e pedi a ela”, conta Milton Gonçalves no documentário.

Novos tempos?

“Muita coisa mudou desde 2001, mas infelizmente não foi tanto assim”, afirma Joel Zito. Como “esquenta” da sessão do filme, ele participou do Podcast do Conde, também transmitido pela TVT. “O que não mudou é o seguinte: o negro continua na televisão brasileira, nas telenovelas, ainda sendo o outro, ainda sendo uma minoria. Todas as pesquisas oficiais do Brasil atestam que os negros retintos e os negros mestiços, os chamados pardos – assim como eu – constituem 56% da população brasileira. Isso aqueles que se assumem enquanto tal. Todos sabem que ainda tem uma faixa da população brasileira que não assume a sua negritude. Então, portanto, a minoria brasileira é a minoria branca”, afirmou o diretor.

Para ele, existe uma visão distorcida de parcela da sociedade, conscientemente racista ou não, que considera que o ideal é que a televisão brasileira retrate a população como branca. “São pessoas que não saem das suas bolhas sociais, que não percebem que as periferias das cidades, que as pessoas que trabalham nas cozinhas das suas casas e fazem o trabalho pesado da sociedade são pessoas negras. São pessoas que acham que o mundo brasileiro é um mundo branco, como é o mundo da classe média, como é o mundo dos ricos no Brasil. Esse sim, efetivamente, ainda é um mundo muito branco”.

Por outro lado, ele classifica a política de cotas para negros nas universidades brasileiras, nas últimas duas décadas, como uma “grande conquista“, que provocou um “cataclisma” na sociedade brasileira. Assim, um contingente cada vez maior de pessoas negras saem das universidades e conseguem ascender à classe média. Como não poderia deixar de ser, tal mudança impactou também na representação dos negros na TV, que conquistaram protagonismo nas novelas e já não são mais retratados apenas em funções subalternas.

Por Redação RBA

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