Dispositivo desenvolvido por cientistas norte-americanos utiliza estimulação elétrica não invasiva da medula espinhal para restaurar parte da mobilidade dos braços e das mãos. Testes iniciais mostram resultados positivos em 76% dos pacientes
Testes com um dispositivo que auxilia tetraplégicos crônicos apresentam resultados positivos e com perspectivas de avanço. Os tetraplégicos são aqueles que perderam a mobilidade do pescoço para baixo e, com a nova tecnologia, há uma gradual recuperação de movimentos de braços e mãos. Os primeiros resultados mostram que 76% dos pacientes conseguiram movimentar parcialmente braços e mãos, graças ao tratamento com eletrodos. No caso daqueles que têm lesões menos radicais, as respostas foram ainda melhores.
O estudo foi recentemente publicado na revista científica Nature Medicine, detalhando os testes da terapia denominada ARC Ex. Nessa etapa, participaram 60 voluntários, de 22 a 75 anos, que sofreram lesão medular cervical traumática e não progressiva. Segundo os resultados, os impactos do tratamento apresentam efeito de três a seis meses após a terapia ARC Ex, mesmo após sua interrupção.
Chet Moritz, líder do estudo e pesquisador chefe dos Departamentos de Medicina de Reabilitação, Engenharia Elétrica e de Computação, Fisiologia e Biofísica e Centro de Neurotecnologia, da Universidade de Washington, afirmou, em coletiva de imprensa, que a tecnologia é uma verdadeira revolução. “(Porque) pode mudar a vida de alguns pacientes afetados por uma lesão na medula espinhal”, disse.
Parceria
A Universidade de Washington se uniu à tecnologia utilizada na terapia ARC Ex, promovida pela startup Onward, da EPFL. Nela, há o posicionamento de dois eletrodos sobre a pele dos pacientes tetraplégicos, um acima e o outro abaixo de onde sua medula espinhal foi danificada por um acidente. A partir daí, são direcionados estímulos elétricos para modular a atividade da medula espinhal cervical.
“O estudo foi realizado com pessoas que tiveram lesão medular incompleta (LMI) na altura do pescoço, ou seja, a maioria das pessoas que participou dos experimentos consegue realizar movimentos básicos com as mãos, movimento de pinça que usamos para pegar um lápis, por exemplo”, explica Adriano Almeida Gonçalves Siqueira, professor associado ao Departamento de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).
Em seguida, o professor acrescenta: “A estimulação elétrica faz com que os caminhos (cerebrais) que levam ao comando de mover a mão sejam reconstruídos. Esses caminhos foram perdidos quando houve a lesão na medula”.
Experiência
Os 60 pacientes de 14 países, incluindo Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Holanda, participaram de 24 sessões de terapia tradicional de forma isolada e, posteriormente, por uma média de 25 sessões de terapia ARC Ex. Nas sessões de teste do estudo, o estímulo foi aplicado a 30Hz, com uma sobreposição de frequência portadora de 10kHz, que consistia em 10 pulsos com frequência de 10 kHz e largura de pulso de 100 µs.
Segundo a publicação, a tecnologia apresentou “segurança e eficácia”, trazendo benefícios para 43 dos 60 participantes voluntários após dois meses de aplicação, como melhorias significativas nos domínios funcionais e no estado neurológico, incluindo pontuações motoras e sensação aprimorada de tato nos membros superiores. Os participantes também relataram redução da frequência de espasmos e melhora do sono.
Para Adriano Siqueira, os efeitos das terapias de neuromodulação são visíveis no cotidiano dos tetraplégicos. “Os estímulos elétricos podem causar formigamento e dor no local onde são aplicados. Mas, em experimentos controlados, como foi o caso do estudo em questão, os pesquisadores monitoram, se necessário, continuamente o nível de dor e desconforto que o sujeito está tendo e param o experimento. Por isso, deve ser feito sempre com supervisão de um médico ou fisioterapeuta.” A Onward solicitou autorização de mercado do sistema ARC Ex à Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA. A startup planeja seguir o pedido dos Estados Unidos com solicitação de aprovação de mercado na Europa.
Por CB- *Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi