CRÍTICA DE BARBIE TRAZ REFLEXÕES NO IMPERFEITO ESTILO DE VIDA DA BONECA

Filme dirigido por Greta Gerwig adota um tom crítico, irônico e contestador do machismo ao personagem da célebre boneca

Uma “boneca branca, salvadora”: é com toda a carga de ironia depositada nesta expressão, que a diretora Greta Gerwig — hábil no manejo de tramas feministas do porte de Adoráveis mulheres e Lady Bird — elabora o tom crítico empregado no mais recente longa, que incorpora o desenvolvimento e a retaliação de um império constituído a partir da venda de incontáveis lotes de uma boneca. Empreendimento de risco, o filme Barbie ganhou o respaldo da empresa Mattel (jocosamente representada com o papel de empresário de Will Ferrell). Há consenso, entre nada empolgadas jovens personagens, de que Barbie (a infalível Margot Robbie) seja uma periguete, sexualizada em moldura capitalista.

Com um quê de Dorothy, que empreendeu a jornada de autoconhecimento segundo os trilhos dourados de O mágico do Oz, Barbie opta por deixar o firmamento cor-de-rosa dos sonhos, a fim de rever seu lugar e identidade, numa temporada pelo mundo real. Nisso, reside o convite a a carta-branca dada à criatividade de Greta Gerwig. Algo morde o calcanhar de Barbie: saída da caixa, ela antevê a possibilidade e (o desconforto) da morte e do caixão. Nutrida por ondas fakes, em que esforços, à perfeição, são mínimos e, para a felicidade geral, nem os alimentos e bebidas sujam os lábios, Barbie paira endeusada.

Num dado momento, há o ruir de todo este reino. É quando entram em jogo posturas de sororidade, instabilidade na autoconfiança e até lavagem cerebral. Em outros instantes, a trama emula situações do terror As esposas de Stepford e da comédia Mulheres perfeitas, ambos extraídos da literatura de Ira Levin. Em contato com o mundo real, a boneca experimenta as dores das emoções e o contato com o caos. Há quem se veja, no enredo, como “feia e rejeitada”. Na mesma leva de coitadismo, há os que se percebem objetificados e estereotipados. Interligada ao mundo real, depois de se afastar da Barbielândia, a boneca, ao lado do apaspalhado Ken (Ryan Gosling, divertidíssimo), mergulha na atmosfera machista, em que “cavalos são a extensão dos homens”, como comenta Ken.

Entre saborosos delírios visuais — que incluem a citação a 2001 — Uma odisseia no espaço e trechos musicais, no qual também desponta o Ken interpretado por Sim Liu —, Barbie extrai graça do machismo, em que “namoradas” podem ser acessórios “casuais” e no qual, em coro, os rompantes masculinos tocam “ensinamentos” reservados às mulheres (“Vamos mostrar para você”, dizem os cuecas de plantão).

À caça de autonomia, e debelando a suposta supremacia masculina, Barbie incita boas alianças — que trazem coadjuvantes de ouro como Kate McKinnon, America Ferrera e Michael Cera. Carreira, envelhecimento, maternidade e sucesso calibram, aliás, o melhor discurso, reservado ao personagem da eterna Ugly Betty, America. Entre mudanças de paradigmas e conquista de individualidade, Barbie, de quebra, rende bela presença, inspirada em Ruth Handler (morta em 2002), a criadora da icônica boneca.

Por Ricardo Daehn

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