Roberto Campos Neto trouxe à tona discussão crescente entre economistas e empresários: a expansão do programa social retirou pessoas do mercado de trabalho?
A elite econômica global se reúne a cada 12 meses em um vilarejo com vista para as montanhas no interior dos Estados Unidos. Mais precisamente no Wyoming, o estado menos populoso do país. Em três dias, são discutidos os rumos da economia e o que os bancos centrais pensam em fazer. Neste ano, um tema inesperado surgiu: o Bolsa Família.
Ao discursar sobre como as decisões de bancos centrais chegam – ou não – à economia real, o presidente do BC brasileiro, Roberto Campos Neto, enumerou algumas hipóteses para a chamada perda de potência da política monetária e chamou atenção para o crescimento do programa social brasileiro.
No painel “Reavaliando a Efetividade e a Transmissão da Política Monetária”, Campos Neto avaliou hipóteses para explicar a queda tão lenta da inflação pelo mundo. Globalmente, o brasileiro indicou algumas possibilidades relacionadas ao gasto público, intervenções no mercado financeiro e dívida pública.
E, ao avaliar nossa própria economia, chamou atenção para o fato de que os programas sociais cresceram muito nos últimos anos no Brasil. O tema é, aliás e há algum tempo, debate entre economistas e empresários.
Em Jackson Hole, Campos Neto destacou que o maior programa social brasileiro já beneficia 56 milhões de pessoas. Esse é o maior grupo da população brasileira, destacou, acima dos 43 milhões de ocupados e empreendedores.
O discurso de Campos Neto trouxe à tona uma fala ouvida discretamente há vários meses entre economistas preocupados com a inflação e entre empresários que têm reclamado do estrangulamento do mercado de trabalho.
Vários citam que a forte queda recente do desemprego pode ser explicada, sim, pelo crescimento da economia, mas lembram que não é possível ignorar o impacto da ampliação do programa social.
De inquestionável importância para oferecer dignidade econômica e social aos mais pobres, o programa social federal cresceu em duas frentes no pós pandemia: número de beneficiários e, principalmente, valor pago.
Antes da pandemia, o valor mínimo destinado a cada família era de R$ 89 como benefício principal. Havia, ainda, a possiblidade de valores adicionais de R$ 41 pagos a cada criança ou adolescente da família
Atualmente, o valor mínimo é de R$ 600, com R$ 150 pagos adicionalmente a cada criança de até seis anos. Houve, portanto, aumento de 574% no valor principal desde a pandemia.
O aumento dos valores do programa social se confunde com a ação do governo para combater os efeitos da pandemia. Em 2020, com as cidades fechadas para evitar o vírus, o governo discutiu inicialmente o pagamento do chamado auxílio emergencial de R$ 400. Em uma articulação com o Congresso, o valor final aumentou para R$ 600.
No bolso, passos dados à frente são praticamente impossíveis de voltar. E é por isso que o valor segue até agora.
Economistas dizem que, como o valor do benefício já equivale a quase metade do salário-mínimo, muitos encarariam o pagamento como um desincentivo à busca por trabalho. Ou seja, diminui a mão de obra disponível.
Em Brasília, a Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social confirma a fala de Campos Neto. Houve forte aumento no número de beneficiários no programa social: atualmente, o Ministério cita 54,5 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família. Em março de 2020, quando o coronavírus chegou ao Brasil, eram 40 milhões de pessoas.
Aumento de 36% ou quase 15 milhões de indivíduos.