Sindicalistas reafirmaram que, apesar da importância da eleição de Lula, trabalhadores sofrem com falta de representação parlamentar. Diretor da OIT fala em “tempos turbulentos”
São Paulo – Na abertura do 14º Congresso Nacional da CUT (Concut), na noite desta quinta-feira (19), em São Paulo, além das questões especificamente trabalhistas, os discursos se voltaram para o conflito do Oriente Médio e incluíram críticas ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, os representantes sindicais reafirmaram que, apesar da eleição de um governo aberto ao diálogo, a pauta social continua enfrentando dificuldades no Congresso.
É preciso se organizar para aumentar a representação dos trabalhadores nos parlamentos, afirmou o presidente da CUT, Sérgio Nobre, para evitar situações como a atual, em que o governo fique com a “faca no pescoço” posta pelo Centrão, bloco conservador do Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, ele reforçou a importância da unidade entre as centrais sindicais para barrar retrocessos em anos “muito difíceis, muito duros” (como a PEC 32, da “reforma” administrativa, ou a MP 1.045) ou garantir avanços, como o auxílio emergencial durante a pandemia e, agora, o retorno da política de valorização do salário mínimo.
Artur Henrique, Luiz Marinho, Jair Meneguelli, Sérgio Nobre e Vicentinho: ex-presidentes e o atual, nos 40 anos da CUT (Foto: Roberto Parizotti)
Voz mundial
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 foi importante não só para o Brasil, acrescentou Sérgio Nobre. “Faltava no mundo uma voz em defesa da paz, da democracia, dos direitos humanos, da classe trabalhadora.”
A falta de representação trabalhista no Legislativa também foi ressaltada pelo presidente da Força Sindical, Miguel Torres. “Viramos uma página nefasta em nosso país. Temos que estar preparados para recuperar esse espaço (parlamento)”, afirmou.
Geração T
Para o presidente da UGT, Ricardo Patah, o movimento sindical precisa se reorganizar para representar os excluídos do sistema formal de trabalho – ele cunhou o termo “Geração T”. “Quem representa os excluídos, os que estão à margem da cidadania?”, questionou.
Já a secretária-geral da Intersindical, Nilza Pereira, ressaltou os riscos políticos ainda presentes, mesmo com a derrota de Jair Bolsonaro em 2022. “Nós derrubamos o fascista, mas não derrubamos o fascismo.” As centrais também estavam representadas por Adilson Araújo (CTB) e Antonio Neto (CSB). Além deles, o coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, e Maria Fernanda Marcelino, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM).
Ataques à democracia
Entre as representações internacionais, estavam os secretários-gerais da Confederação Sindical das Américas (CSA), Rafael Freire, e da Confederação Sindical Internacional (CSI), Luc Triangle. “A democracia está sendo atacada em vários lugares do mundo, mas ela vai resistir”, afirmou o dirigente da CSI, que reúne 200 milhões de trabalhadores em 167 países.
O diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Gilbert Houngbo, em mensagem ao congresso, afirmou que o mundo do trabalho vive “tempos turbulentos”, com efeitos da pandemia, crise alimentar e energética e mudanças climáticas. “A justiça social é precondição para a paz e a estabilidade”, afirmou.
“Digitalização” da economia
A OIT está em campanha por uma Coalizão Global pela Justiça Social, e espera apoio da representação dos trabalhadores para impulsionar a iniciativa na reunião prevista para novembro. Houngbo ressaltou três questões que considera prioritárias: proteção ao trabalhador diante da “digitalização” da economia, inclusão de 4 bilhões de pessoas que hoje não têm qualquer proteção social e negociação coletiva. Segundo ele, “organizações (sindicais) fortes e independentes” são fundamentais para os sistemas democráticos.
Em recuperação de cirurgia, Lula não pôde comparecer. Foi representado pelo ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que leu uma carta do presidente – entregue a ele por um “motoboy”, representando os trabalhadores de aplicativos, atuais símbolos da precarização trabalhista. Em alguns trechos, Marinho brincou imitando a voz rouca de Lula, que afirmou estar empenhado em “reconstruir políticas públicas e marcos legais desmontados nos últimos anos”.
Lula também chamou a atenção para as transformações no mundo do trabalho, que podem cortar ainda mais empregos e acentuar a precarização das relações de trabalho. Lembrou do recente acordo com os Estados Unidos para promover o chamado trabalho decente: “Não há democracia sem sindicato forte”.
O congresso teve na abertura a presença de quatro ex-presidentes da CUT, que está comemorando 40 anos: Jair Meneguelli (o primeiro, eleito em 1983), Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, Artur Henrique e o próprio Luiz Marinho. Realizado no Expo Center Norte, na capital paulista, o congresso foi aberto com uma versão roqueira do clássico socialista A Internacional e uma antiga canção de Chico Buarque, Tem Mais Samba. E terminou com a bateria da Unidos do Peruche, tradicional escola da zona norte de São Paulo. O evento vai até domingo (22), quando será eleita a nova direção. Até a abertura, haviam sido credenciadas 2.349 pessoas, sendo 1.721 delegados. Havia 168 representantes internacionais, de 46 países.
Por Vitor Nuzzi, da RBA