Integrantes da Suprema Corte lidam com os desdobramentos da emenda que limita os poderes dos magistrados. Especialistas destacam a escalada da tensão entre as instituições
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou aos holofotes na última semana por conta da aprovação de uma emenda que limita poderes de ministros da Corte. O episódio causou incômodo entre os magistrados e, segundo apurou o Correio, deixou o presidente da Casa, Luís Roberto Barroso, “muito abalado”.
O tribunal trabalha com a possibilidade de barrar a proposta aprovada em dois turnos pelos senadores e que segue para tramitação na Câmara dos Deputados. Na semana passada, o presidente do STF e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes criticaram publicamente a aprovação da proposta. Os magistrados falaram em “intimidação”, “retrocesso” e “ataque à democracia”.”
Nos bastidores, eles e os outros integrantes do Supremo reconhecem que a crise está instalada e a imagem da Corte, desgastada. Agora, aguardam para que sejam acionados e possam julgar a proposta que trata de seus próprios poderes. Consequentemente, devem lidar com novos embates entre as instituições.
“O tempo da política sofre com os destemperos da relação entre os poderes da República. A questão é que estamos a atravessar uma mudança na governabilidade, enquanto temos a dificuldade do governo Lula com a governança. Passados 11 meses, o Executivo ainda bate cabeça em torno de um projeto e de um orçamento público que permita estabelecer recursos para custeá-lo, seja como for”, avalia o analista político Melillo Dinis.
Ele critica a postura dos congressistas para a aprovação da PEC. “O Legislativo, por várias razões e a partir de vários atores, têm ampliado o seu parlamentarismo de coação. O Judiciário, mega exigido como espaço de contenção no governo anterior, não encontrou o rumo nesta fase e teve que enfrentar a ressaca do 8 de janeiro, que ainda perturba suas relações com a política”, destacou.
Escalada da tensão
Ao incluir o STF nas suas pautas de votação, com um propósito de desidratá-lo, o comando do Senado assumiu um caminho arriscado e de desfecho incerto, avaliam políticos e especialistas. A movimentação do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se é visto por um lado como exitosa perante uma parcela política, como os bolsonaristas, por outro é tida como uma ação de interesse quase individual para colher frutos eleitorais e sem noção das consequências, como avaliam ministros do STF, parlamentares e auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A combinação que uniu de um mesmo lado aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Centrão, apoiadores do Planalto e até o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA) — com 52 votos a favor da emenda constitucional — sob o comando de Pacheco, foi a sinalização de que a política decidiu se intrometer de vez no Judiciário.
O que antes era queixa de seguidores do ex-presidente, que ameaçam ministros da Corte, falaram em fechar o STF e destruíram parte do Supremo no 8 de janeiro, virou realidade. A revolta desse grupo contra o tribunal saiu dos cartazes pregando que “Supremo é o povo” e virou emenda constitucional que restringe poderes dos ministros.
“Do ponto de vista das instituições jurídicas de um país e sua relação com outros poderes, é importante destacar que em todos os países existem mudanças ao longo do tempo, que no modelo de democracia liberal representativa, pode ter várias formas. O essencial é a existência de mecanismos de independência e harmonia entre as instituições. Por independência, se pode entender que nenhum poder debilita a capacidade de decisão do outro, ainda que os poderes sirvam de contrapeso para preservar as instituições democráticas”, destacou o cientista político Joao Guilherme Granja.
Para o advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a decisão do plenário do Senado, aprovando a PEC anti-STF, é até inadequada porque o próprio regimento interno do tribunal já alterou esse rito e assim decidiu, limitando decisões individuais. Mas vê uma consequência política.
“É uma sinalização para o eleitorado que deve haver uma contestação em relação ao STF, o que gera uma instabilidade política e ranhuras entre os poderes. O STF tem a função de julgar os principais processos do país, os mais polêmicos. Sempre vai agradar alguns e desagradar a outros. Sempre teremos polêmica. Como disse o ministro Barroso, o tribunal não é agente de concurso de simpatia”, disse Almeida.
Rodrigo Pacheco faz dois movimentos ao mesmo tempo: se aproxima de Lula na defesa de uma solução para a dívida bilionária do governo de Minas Gerais com a União, em torno de
R$ 160 bilhões. É uma parceria política contra o governador Romeu Zema, do Novo. Em outra ponta, o senador mineiro articula uma pauta de desinteresse do Planalto, como essa emenda aprovada. E joga o problema no colo do governo, ao arrastar a adesão de seu líder na votação. Nenhum petista está satisfeito com Jaques Wagner. O presidente da República diz que não sabia que ele votaria nesse sentido.
E Pacheco não quer parar aí. Tem na manga ao menos mais duas tacadas contra o STF, que são as propostas de limitar o mandato dos ministros e também de colocar fim na reeleição para os Executivos, dos cargos de Prefeito ao de Presidente, como disse ao Correio no último dia 9. O cientista político André César analisa que Pacheco está mandando um sinal ao Planalto com essas votações contra o STF.
“Acho que o Planalto é seu alvo. Ele encontrou nessa PEC do STF, que estava paradinha lá desde 2021, quietinha, um instrumento de se mostrar politicamente. E saiu vitorioso. E agora está ameaçando simplesmente com uma proposta que acaba com a reeleição. Ainda que ele esteja numa dobradinha com Alcolumbre, visando sucessão no Senado, as pretensões do Pacheco são maiores”, disse César, que comentou o voto do líder do governo.
“É um grande imbróglio. O Jaques Wagner é o parlamentar mais próximo de Lula entre os 594 do Congresso. Agora é ver o preço que Arthur Lira vai cobrar para não se votar isso na Câmara. Isso tudo acontecendo no meio do governo com necessidade de aprovar sua agenda econômica nas duas casas”, completou.
Por Luana Patriolino + Evandro Éboli – Correio Brasiliense