COMANDO VERMELHO SUSPENDEU CRIMES DURANTE G20 NO RIO A PEDIDO DE “REPRESENTANTE DAS AUTORIDADES”, REVELA PF

Traficante Naldinho ordenou sete dias de trégua durante reunião do G20. PF ainda não identificou quem fez o pedido

A Polícia Federal descobriu que a cúpula do Comando Vermelho (CV) ordenou uma trégua nas ações criminosas no Rio de Janeiro durante a reunião de chanceleres do G20 realizada em fevereiro de 2024. A revelação veio à tona por meio de mensagens interceptadas com autorização judicial, segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo.

De acordo com o conteúdo das conversas, Arnaldo da Silva Dias, conhecido como Naldinho — um dos integrantes do Conselho Permanente do CV e atualmente preso em Bangu 3, no Complexo de Gericinó — enviou um comunicado determinando que a facção “segurasse sete dias sem guerras e roubo”. A justificativa seria um pedido feito por “um representante das autoridades no Rio”. A PF, no entanto, não conseguiu identificar quem seria esse interlocutor.

“Boa tarde a todos meus irmãos. Hoje, um representante das autoridades no Rio procurou o irmão que é sintonia e pediu para nós segurarmos sete dias sem guerras e roubo devido ao G20 (são representantes de 20 países diferentes)”, escreveu Naldinho no “salve” enviado em 22 de fevereiro de 2024, data em que ministros das Relações Exteriores do G20 se reuniam na Marina da Glória. Na mensagem, ele ainda acrescentou: “eles demonstraram um respeito por nós”.

Intervenção no texto e papel de liderança – Antes de enviar a versão final do comunicado, Naldinho chegou a submeter uma redação preliminar ao traficante Edgar Alves Andrade, o Doca — chefe do Complexo da Penha e um dos criminosos mais procurados do estado. O primeiro rascunho incluía uma ameaça de punição a quem desobedecesse a ordem, mas, após avaliação de Doca, o texto foi suavizado.

A atuação de Naldinho como uma espécie de porta-voz do CV foi detalhada em relatório da PF. Condenado a mais de 50 anos por tráfico e homicídio, ele é descrito como responsável por transmitir ordens da alta cúpula para as bases da organização. Em seus comunicados, resolve disputas entre traficantes, anuncia acordos com outras facções e até organiza rifas de armamentos, como a realizada em março de 2024, cujo prêmio anunciado foram dois fuzis AR calibre 5,56.

Aliança com a ADA e decisões internas – Outro ponto revelado pelos “salves” diz respeito à reaproximação entre o Comando Vermelho e a facção Amigos dos Amigos (ADA), rivais históricos no tráfico carioca. Em mensagem de 25 de fevereiro de 2025, Naldinho anunciou que o CV estava “numa sintonia de respeito, com grau de companheiro e futuramente até amizade” com a ADA. O pacto foi selado definitivamente em 4 de março, com novas regras de convivência: “moradores de ambas comunidades poderão transitar com passe livre em qualquer comunidade que for ADA ou CV sem qualquer constrangimento”.

Além das tratativas com a ADA, as mensagens mostram como decisões internas eram tomadas. Em 1º de março de 2025, por exemplo, Naldinho confirmou quem seriam os donos de uma nova boca de fumo numa favela recém-invadida. “Entraram no bom senso e ficou decidido que os três são donos da boca”, escreveu, referindo-se aos traficantes JN, Turuna e Merenda, este último ausente na votação anterior por estar hospitalizado.

Tentativa de fuga e novo pedido de transferência – O relatório da Polícia Federal também aponta que Naldinho, sob o apelido de Samuray, pode ter participado do planejamento de uma tentativa de fuga em massa do Complexo de Gericinó. Conversas interceptadas indicam que R$ 20 mil do caixa da facção foram repassados a ele para a construção de um túnel na unidade Vicente Piragibe, descoberta meses depois. A obra foi interrompida antes de permitir a fuga dos detentos.

Essa não foi a primeira tentativa de evasão atribuída a Naldinho. Em dezembro de 2021, um alvará de soltura falso foi enviado à Secretaria de Administração Penitenciária, o que levou sua transferência à unidade de segurança máxima de Bangu 1. Em 2020, ele retornou ao sistema prisional fluminense.

Diante das novas evidências, a Polícia Federal solicitou, em novembro de 2024, sua transferência para um presídio federal. O pedido foi reforçado pela Polícia Civil em fevereiro de 2025 e teve parecer favorável do Ministério Público. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ainda não decidiu sobre o caso.

O Globo informou que não conseguiu contato com a defesa de Naldinho. Em manifestação judicial, seus advogados argumentaram que “não há como identificar a pessoa que se utilizou da linha telefônica” e sustentaram que “não há conduta praticada pelo apenado capaz de incluí-lo no sistema penitenciário federal”.

Por Brasil 247

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