Saiba mais sobre os símbolos da diversidade pernambucana
“Todo mundo faz a ciranda girar.” A declaração de Lia de Itamaracá, em entrevista há quase oito anos, traduz não apenas a ideia da brincadeira tradicional que projetou mundialmente a artista pernambucana, mas também a cultura do maior carnaval de rua do Brasil, onde inovação e história se dão as mãos. Símbolos dessa diversidade, Chico Science e a rainha da ciranda são homenageados do carnaval de Recife 2024.
Maria Madalena Correia do Nascimento, nasceu em Itamaracá, e logo cedo se deixou conduzir pela batida percussiva e o bailado circular, que lembra o movimento mar em torno da ilha. Mesmo em uma família sem nenhuma tradição musical, começou a fazer ciranda aos 12 anos, mas foi só aos 54 que a música a levou a carreira artística e Maria, deu lugar a Lia.
Era 1998, mais de vinte anos depois de uma tentativa frustrada de comercializar sua música, Lia materializava, no palco do festival pernambucano Abril por Rock, a diversidade cultural que compõe o repertório e o imaginário brasileiro. Dali em diante, deixou de representar um refrão da composição de Teca Calazans, para ganhar os palcos e o gosto, primeiro dos brasileiros, e depois de vários lugares do mundo.
Na França, o transe melódico de sua voz chegou a ser classificado como trance music e nos Estados Unidos ascendeu ao altar das divas. Mas o reconhecimento que mais a enche de orgulho é o que vem da própria terra e chega a tempo: “Tô me sentindo muito feliz de receber essa homenagem viva. Isso pra mim é muito importante! Vamos tocar o barco pra frente, firme forte e com toda a folia!”, fala com todo o vigor dos seus 80 anos, e que já é imortal, como Patrimônio Vivo de Pernambuco.
Tradição do frevo e do maracatu
A mesma imortalidade alcançada por Chico Science, quando revolucionou o cenário musical ao incorporar a tradição do frevo e do maracatu, à urbanidade do hip-hop e do rock’n roll, agregando debates sobre questões sociais. Criou o movimento Manguebeat, trazendo ícones universais para a cultura do mangue, “uma antena parabólica enfiada na lama”.
Nascido em Olinda, Francisco de Assis França, o caçula de quatro filhos, viveu a infância no bairro popular de Rio Doce, onde, pelas ruas, teve contato com as músicas tradicionais e populares de Pernambuco. Desde a adolescência, participou de movimentos do hip hop por meio da dança. Foi influenciado por ícones do funk e do soul, como James Brown e Charlie Wright, quando, aos 20 anos de idade, junto com Lúcio Maia criou a banda Orla Orbe, os primórdios do movimento do mangue.
Passou pela Bom Tom Rádio e Loustal bandas que ganhavam corpo nos encontros com outros músicos e pensadores. Muitas das criações e composições aconteciam no apartamento da irmã Goretti, no bairro das Graças, zona norte de Recife, próximo ao Rio Capiberibe. Ali, ouviam música, escreviam e debatiam ideias.
Aos 25 anos, conheceu o bloco afro Lamento Negro, no bairro de Peixinhos, subúrbio de Olinda. Um movimento de arte e educação, organizado por Osmair José Maia e Gilmar, conhecido como Bola 8, que reunia jovens em oficinas de percussão, confecção de instrumentos, aulas de capoeira, dança afro e artes cênicas.
Surgia ali a banda Loustal & Lamento Negro, que em seu primeiro show lançou o “Manifesto dos Caranguejos com Cérebro”, um material de divulgação que trazia a imagem de uma antena parabólica no mangue e explicava “o objetivo era engendrar um circuito energético, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop.”
O grupo tocava com vários músicos que participavam da cena criativa da época, mas era principalmente formado por Science (vocal), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Toca Ogan (percussão), Gilmar Bola 8, Jorge Du Peixe e Gira (alfaias – tambores maiores), e Canhoto (caixa). Logo, a banda passou a se chamar Chico Science e Nação Zumbi.
Em cinco anos, gravou dois discos “Da Lama ao Caos” e Afrociberdelia, classificados entre os melhores da música brasileira, tocaram em diversos países da Europa, nos Estados Unidos e por todo o Brasil.
Science foi muito além de “modernizar o passado”, questionou a relação humana com a natureza, contestou as diferenças sociais, divulgou ritmos, fez arte, moda, cinema da cultura dos manguezais. Foi reconhecido com um dos mais importantes artistas da música brasileira.
Chico morreu, aos 30 anos, às vésperas do carnaval, na estrada entre Recife e Olinda, após o cinto de segurança do carro que dirigia falhar na colisão contra um poste. Naquele ano, ele subiria, pela primeira vez, em um trio elétrico, com o objetivo de contestar, mais uma vez, a massificação cultural que tomava conta da festa de momo, na década de 90.
Por Fabíola Sinimbu – Agência Brasil