Cristiane Sampaio, Brasil de Fato – Após ser convidado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para falar sobre a política do governo diante das escolas cívico-militares e outros temas, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse, nesta quarta-feira (12), que a maioria da população não tem preferência por esse tipo de política. Ele foi questionado por parlamentares bolsonaristas a respeito da extinção, no começo do ano, da diretoria criada pela gestão passada para comandar o programa de expansão das unidades escolares que operam conforme esse modelo.
Santana mencionou pesquisa encomendada pelas entidades civis Ação Educativa e Centro de Referências em Educação Integral (Cenpec) segundo a qual 72% dos brasileiros confiam mais em professores do que em militares para atuarem nas escolas. O ministro destacou ainda que o programa teve pouca adesão de gestores públicos locais, motivo pelo qual somente 0,28% das 138 mil escolas do país adotam hoje o método cívico-militar. Na avaliação do mandatário, os números fortalecem a leitura de que há falta de interesse da rede educacional nesse tipo de proposta.
“Foi uma decisão unilateral do MEC à época. Na Lei de Diretrizes e Bases [da Educação Nacional] e no Plano Nacional de Educação, não há qualquer menção de incluir as Forças Armadas na educação básica do país”, afirmou. Ele ressaltou que, por conta disso, a política também é alvo de questionamentos por falta de previsão normativa.
O deputado bolsonarista Capitão Alden PL-BA citou supostas estatísticas indicando bom desempenho de tais unidades no país. “No meu estado da Bahia, as dez melhores escolas públicas são todas cívico-militares. Então, é preciso ampliar essa discussão. Temos que avaliar o índice de como é feita essa aferição, senão está tudo errado”, acenou, pedindo ainda que Santana visite esses colégios “antes de extingui-los”.
“Não revoguei o programa. Só não será prioridade, nem estratégia do Ministério da Educação neste governo de criar novas escolas”, defendeu-se o ministro em um dos momentos em que tocou no assunto, destacando ainda que a pasta irá discutir o tema “de forma ampla e democrática” com os prefeitos e governadores que já efetivaram o modelo em algumas unidades, as quais somam 202 escolas pelo país.
Santana também disse que os opositores estariam confundindo essas unidades com os colégios militares que há pelo país, que são de competência dos estados. Ele acrescentou que estes são livres para criarem suas escolas cívico-militares, se assim o quiserem.
Santana também respondeu perguntas sobre o tema do ataque a escolas, por exemplo. Ele destacou que o problema é complexo e reflete a realidade contemporânea da sociedade brasileira “de estímulo ao ódio”, o que resulta em casos do tipo. O ministro defendeu a ampliação dos trabalhos de inteligência sobre as redes sociais para que o Estado possa se antecipar a possíveis ameaças e evitar novas tragédias no ambiente escolar.
“Nós precisamos fortalecer um grande programa psicossocial nas escolas brasileiras. É uma questão que envolve educação e inteligência. É um problema das redes sociais, que nós temos que ter um controle. É preciso regulamentar e ter punição para quem comete crime nas redes sociais”, acrescentou.
Ensino médio
A nova configuração do ensino médio, aprovada no governo Temer e mantida sob a gestão Bolsonaro, é o único ponto no qual a gestão parece ter encontrado um terreno mais espinhoso entre os parlamentares. Deputados do campo progressista defendem a revogação da reforma do ensino médio, mas a pauta não tem unanimidade dentro da base governista, que é composta também por parlamentares de fora da esquerda, segmento que apoiou a reforma na era Temer. Apesar disso, o MEC lida com um coro popular em prol da revogação.
Recentemente o governo suspendeu o cronograma de aplicação da reforma e abriu uma consulta pública que deverá ocorrer durante 60 dias. A ideia, segundo a gestão, é ampliar o diálogo com os diferentes segmentos ligados à educação para debater a reforma. Nesta quarta, na comissão, Santana reafirmou a defesa da suspensão e disse que “não se muda o ensino médio por decreto ou por lei”.
Ele pontuou que a suspensão também tem relação com o que ele chamou de “distorções” que vêm sendo verificadas no Ensino Nacional do Ensino Médio (Enem). Disse ainda que o governo considerou a análise feita pela equipe de transição no final do ano, que defendia a queda da reforma.
“No relatório final que eu recebi, uma das reivindicações era a revogação do decreto. Pedi que minha equipe avaliasse, e eu não entro nas questões ideológicas. Eu faço parte de um governo que é democrático”, disse o ministro, ao destacar que seguirá em diálogo com os diferentes setores do campo da educação.
Cenário
Na comissão, o ministro enfrentou mais de cinco horas de um debate no qual conseguiu dominar o jogo político que se instaurou diante da sua presença. Bastante disputado, o colegiado recebeu inscrição de 57 parlamentares que pediram para fazer questionamentos ao ministro, uma vez que a fala também é aberta a não membros de uma comissão.
A comissão tem cerca de 15 deputados governistas entre o total de 40 membros titulares, mas contou nesta quarta com uma predominância de falas que acenaram pró-MEC, o que indica uma maior articulação da base aliada do Planalto no sentido de tentar blindar o ministro e reduzir o impacto das críticas da oposição durante as horas de debate.
Mas não só isso contou para o cenário. O preparo técnico e o temperamento já conhecido de Camilo, geralmente menos adepto a discursos polarizadores do que a maioria dos petistas, também colaboraram para evitar um acirramento dos ânimos. Por conta disso, diferentemente do que ocorreu com Flávio Dino na terça (11) na Comissão de Segurança Pública, onde o terreno se mostrava mais árido ao governo por conta da presença ruidosa de parlamentares da bancada da bala, a audiência de Santana foi marcada por um clima político morno e mais controlável por parte do governo. Esse foi também o entendimento predominante entre deputados que compareceram à sessão.
“Quero registrar que, no tempo em que eu estive aqui, de modo geral, apesar de alguma provocação de parlamentares de oposição, as coisas se colocaram num nível razoável, um nível de respeito”, sublinhou o deputado Patrus Ananias (PT-MG), em conversa com o Brasil de Fato. Por conta desse clima, a ala bolsonarista não conseguiu dominar o debate para conduzir as discussões pelos rumos das críticas.
“O Camilo é sereno, tranquilo. Ele sempre me chama atenção nessa dimensão, por ser um homem de diálogo, que escuta, é equilibrado. É claro que isso ajudou muito para termos esse encontro aqui”, acrescentou Ananias. “Perceba que mesmo os opositores, que questionam, o que é natural e saudável, não estão exacerbando o debate a ponto de atrapalharem a reunião. Eles estão se comportando dentro de alguns limites, apesar das suas limitações”, comentou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) a uma certa altura do debate, nos bastidores.
“Já vamos chegar a cinco horas desta audiência e quem questionou ele ficou num tom nervoso falando que o ministro é comunista, que o governo é comunista, quer dizer, coisas vazias. Eu fico impressionado com a superficialidade dos que questionaram o ministro. E eles sabem disso, eles percebem, tanto que estão abandonando o plenário”, acrescenta Alencar. O comentário se refere ao fato de diferentes opositores terem feito críticas ao ministro e terem se retirado do plenário antes que ele respondesse os questionamentos.
“Apesar disso, eu pelo menos saio daqui hoje com a sensação de que o Brasil agora tem um ministro e um Ministério da Educação de novo, tem equipe, pois vivemos quatro anos de audiência, de sucessão de ministros, e agora não”, finaliza Chico Alencar.
Por-277