Tramitação foi acelerada após aprovação de requerimento de urgência
O plenário da Câmara dos Deputados pode votar hoje o projeto de lei do marco temporal de demarcação de terras indígenas (PL 490/2007). A proposta determina que somente serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Em tramitação na Câmara desde 2007, o texto teve sua análise acelerada após aprovação de requerimento de urgência, por 324 votos favoráveis e 131 contrários, na semana passada. A matéria retira a demarcação de terras de povos originários da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e devolve a atribuição ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A proposta estabelece que, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.
O relator da proposta, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), argumenta que o texto busca “deixar claro que os indígenas devem ser respeitados em suas especificidades socioculturais, sem que isso sirva de impedimento ao exercício de seus outros direitos fundamentais”.
“Dessa forma, enxergando os indígenas como cidadãos brasileiros que são, pretendemos conceder-lhes as condições jurídicas para que, querendo, tenham diferentes graus de interação com o restante da sociedade, exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas”, afirma o deputado.
O texto prevê, entre outros pontos, que é proibida a ampliação de terras indígenas já demarcadas, além de anular a demarcação que não atenda aos preceitos da lei. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não tenham sido concluídos serão adequados ao que prevê a nova legislação.
“Institucionalização do genocídio”
Em audiência na Câmara dos Deputados, a assessora jurídica do Conselho do Povo Terena, Priscila Terena, citou 156 terras, oito etnias e mais de 80 mil indígenas impactados, em caso de aprovação desses textos. “A aprovação é a declaração do nosso extermínio e o início da institucionalização do nosso genocídio”, disse.
A presidente da Comissão da Amazônia e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), afirmou que a proposta facilitaria, entre outros pontos, a grilagem de terras ao permitir obras sem consulta aos indígenas.
“Trata de transformar o marco temporal em lei, com o objetivo de inviabilizar a demarcação dos territórios indígenas; permite a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em terras indígenas sem consulta livre, prévia e informada aos povos afetados, facilitando a grilagem em terras indígenas”, apontou.
Na avaliação do Ministério dos Povos Indígenas, o texto pode “inviabilizar demarcações de terras indígenas, ameaçar os territórios já homologados e destituir direitos constitucionais, configurando-se como uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade”.
Defensoria
A Defensoria Pública da União (DPU) apontou a necessidade de rejeição integral do projeto de lei do marco temporal na demarcação de terras indígenas. A recomendação foi encaminhada pelo defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Junior, ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Segundo o documento, a Constituição não pode ser utilizada como referência para a ocupação indígena, que tem parâmetros diferentes dos requisitos da posse do direito civil.
“O que se sabe é que o território – quando transformado em terra – é o espaço físico necessário para que determinada sociedade indígena desenvolva suas relações sociais, políticas e econômicas, segundo suas próprias bases culturais. É o elo subjetivo dos povos indígenas com seu território tradicional que permite serem quem eles são e, dessa feita, o espaço tem verdadeiro valor para assegurar a sobrevivência física e cultural, sendo por isso de vital importância para a execução dos seus direitos fundamentais”, ressalta o documento.
Por Por Heloisa Cristaldo – Agência Brasil