‘BRICS É SÍMBOLO DA VERDADEIRA MULTIPOLARIDADE E EXEMPLO DE COMUNICAÇÃO INTERESTATAL HONESTA’, DIZ LAVROV

‘Dentro de sua estrutura, Estados com diferentes sistemas e políticas externas independentes cooperam efetivamente em várias esferas’, resumiu o chanceler russo

– O chanceler russo, Sergey Lavrov, publicou artigo na segunda-feira (21) na revista sul-africana Ubuntu no qual classifica o BRICS – bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – como “símbolo da verdadeira multipolaridade e exemplo de comunicação interestatal honesta”.

Na véspera da Cúpula do BRICS, gostaria de compartilhar com nossos queridos leitores meus pensamentos sobre as perspectivas de cooperação entre o grupo de cinco países no atual contexto geopolítico.

Mudanças tectônicas estão ocorrendo no mundo hoje. A possibilidade de domínio de um país ou mesmo de um pequeno grupo de Estados está desaparecendo. O modelo de desenvolvimento internacional construído sobre a exploração dos recursos da Maioria Mundial para manter o bem-estar do “bilhão de ouro” está irremediavelmente desatualizado. Não reflete as aspirações de toda a humanidade.

Estamos testemunhando o surgimento de uma ordem mundial multipolar mais justa. Novos centros de crescimento econômico e de tomada de decisão global sobre questões políticas importantes na Eurásia, Ásia-Pacífico, Oriente Médio, África e América Latina são guiados principalmente por seus próprios interesses e atribuem importância primordial à soberania nacional. E, nesse contexto, eles alcançam um sucesso impressionante em várias áreas.

As tentativas do “Ocidente coletivo” de reverter essa tendência com vistas a preservar sua própria hegemonia têm um efeito exatamente oposto. A comunidade internacional está cansada da chantagem e da pressão das elites ocidentais e de seus modos coloniais e racistas. É por isso que, por exemplo, não apenas a Rússia, mas também vários outros países estão reduzindo consistentemente sua dependência do dólar americano, mudando para sistemas de pagamento alternativos e liquidações em moeda nacional. Lembro-me das sábias palavras de Nelson Mandela: “Quando a água começa a ferver, é tolice desligar o fogo”. E realmente é.

A Rússia – um Estado de civilização, a maior potência euro-asiática e euro-pacífica – continua a trabalhar para uma maior democratização da vida internacional, construindo uma arquitetura de relações interestatais baseada nos valores de segurança igual e indivisível e diversidade cultural e civilizacional proporcionando oportunidades iguais de desenvolvimento para todos os membros da comunidade internacional, sem deixar ninguém para trás. Como o presidente da Rússia, Vladimir Putin, observou em seu discurso à Assembleia Federal da Federação Russa em 21 de fevereiro de 2023: “No mundo de hoje, não deve haver divisão entre os chamados países civilizados e todo o resto… Há necessidade de uma parceria honesta que rejeite qualquer exclusividade, principalmente agressiva.” Em nossa opinião, tudo isso está de acordo com a filosofia Ubuntu, que defende a interconectividade entre nações e pessoas.

Nesse contexto, a Rússia tem consistentemente defendido o fortalecimento da posição do continente africano em uma ordem mundial multipolar. Apoiaremos ainda mais os nossos amigos africanos nas suas aspirações de desempenhar um papel cada vez mais significativo na resolução dos principais problemas do nosso tempo. Isso também se aplica integralmente ao processo de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual, em nossa profunda convicção, em primeiro lugar, os interesses legítimos dos países em desenvolvimento, inclusive na África, devem ser protegidos.

A diplomacia multilateral não se afasta das tendências globais. Um agrupamento como o BRICS é um símbolo da verdadeira multipolaridade e um exemplo de comunicação interestatal honesta. Dentro de sua estrutura, Estados com diferentes sistemas políticos, plataformas de valor distinto e políticas externas independentes cooperam efetivamente em várias esferas. Acho que não é exagero dizer que os cinco países do BRICS são uma espécie de “rede” de cooperação sobre as tradicionais linhas Norte-Sul e Oeste-Leste.

Na verdade, temos algo para apresentar ao nosso público. Por meio de esforços conjuntos, os BRICS conseguiram criar uma cultura de diálogo baseada nos princípios de igualdade, respeito pela escolha do próprio caminho de desenvolvimento e consideração dos interesses uns dos outros. Isso nos ajuda a encontrar um terreno comum e soluções até mesmo para os problemas mais complexos.

O lugar e o significado dos BRICS hoje e sua capacidade de influenciar a agenda global são determinados por fatores objetivos. Os números falam por si. A população dos países do BRICS é superior a 40% e a área de seus territórios excede um quarto das terras do mundo. De acordo com as previsões dos especialistas, em 2023, os cinco países representarão cerca de 31,5% do PIB global (em paridade de poder de compra), enquanto a participação do G7 caiu para 30% neste indicador.

Hoje, a parceria estratégica do BRICS está ganhando força. Os “Big five” [NT: aqui Lavrov faz uma alusão ao termo usado tanto em safaris de observação como de caça de mamíferos de grande porte nas savanas da África do Sul ] oferecem ao mundo iniciativas criativas e voltadas para o futuro, destinadas a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, garantindo a segurança alimentar e energética, o crescimento saudável da economia global, a resolução de conflitos e o combate às mudanças climáticas, inclusive por meio de uma transição energética justa.

Uma extensa rede de mecanismos foi estabelecida para enfrentar esses desafios. A Estratégia para a Parceria Econômica 2025, que define os benchmarks de cooperação a médio prazo, está sendo implementada. A Plataforma de Cooperação em Pesquisa Energética do BRICS lançada por iniciativa russa está operando com sucesso. O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas do BRICS, projetado para ajudar a desenvolver respostas eficazes aos desafios ao bem-estar epidêmico de nossos países, iniciou seu trabalho. Foram aprovadas iniciativas sobre Negação de Refúgio Seguro à Corrupção, Comércio e Investimento para o Desenvolvimento Sustentável e Reforço da Cooperação nas Cadeias de Abastecimento. A Estratégia do BRICS sobre Cooperação em Segurança Alimentar foi adotada.

As prioridades incondicionais incluem o fortalecimento do potencial do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas do BRICS, a melhoria dos mecanismos de pagamento e o aumento do papel das moedas nacionais nos acordos mútuos. Está planejado se concentrar nessas questões na Cúpula do BRICS em Joanesburgo.

Não pretendemos substituir os mecanismos multilaterais existentes, muito menos nos tornarmos uma nova “hegemonia coletiva”. Pelo contrário, os países do BRICS têm defendido consistentemente a criação de condições para o desenvolvimento de todos os Estados, o que exclui a lógica de bloco da Guerra Fria e os jogos geopolíticos de soma zero. O BRICS busca oferecer soluções inclusivas com base em uma abordagem participativa.

Com base nisso, estamos trabalhando consistentemente para desenvolver a interação do BRICS com os países que representam a Maioria Mundial. Em particular, uma das prioridades da Presidência Sul-Africana é fortalecer a cooperação com os países africanos. Compartilhamos totalmente essa abordagem. Estamos prontos para contribuir para o crescimento econômico no continente e para o fortalecimento da segurança lá, incluindo seus componentes alimentares e energéticos. Um exemplo notável é o resultado da Segunda Cúpula Rússia-África, realizada em São Petersburgo, de 27 a 28 de julho de 2023.

Neste contexto, é natural que o nosso agrupamento tenha muitos países com ideias semelhantes em todo o mundo. O BRICS é visto como uma força positiva que pode fortalecer a solidariedade do Sul Global e do Leste Global e se tornar um dos pilares de uma nova ordem mundial policêntrica mais justa.

Os cinco países estão prontos para responder a esta solicitação. Por isso, lançamos o processo de expansão. É simbólico que tenha ganhado tal impulso no ano da presidência da África do Sul, um país que se juntou ao BRICS como resultado de uma decisão política baseada em consenso.

Estou convencido de que a XV Cúpula será outro marco da parceria estratégica do BRICS e determinará as principais prioridades para os próximos anos. Agradecemos muito os esforços da Presidência Sul-Africana, incluindo o trabalho intensificado para melhorar toda a constelação de mecanismos do BRICS para aprofundar o diálogo do BRICS com outros países.

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