“Quando sinto uma dor de cabeça ou qualquer outro tipo de mal estar, procuro uma farmácia, por ser mais cômodo para mim.” A frase dita pela diarista Marlene Machado, 47 anos, não é algo incomum de se ouvir. Mas a verdade é que o caso da moradora da Cidade Ocidental e de tantos outros que têm esse hábito pode estar ligado à hipocondria.
Segundo o psiquiatra do Hospital Brasília Pedro Leopoldo, a relação entre esse transtorno com a automedicação é muito evidente. “É bem ampla e séria a questão da automedicação. Não é só com remédios que ela acontece, mas com várias atitudes que as pessoas tomam, pensando em prevenir uma doença que não existe”, alerta o especialista.
É exatamente o que faz a diarista. Marlene confessa que, além de tomar remédios por conta própria, tem o costume de, ao invés de consultar um médico, pesquisar na internet o que pode ser um sintoma que está sentindo e o que pode fazer. “Tento evitar (a automedicação), mas quando tenho alguma dor de cabeça, por exemplo, acabo não resistindo. Até porque é algo que me tira do sério (a dor)”, ressalta. “Dipirona é algo que não costuma faltar na minha casa. Mas agora que sei sobre a hipocondria, vou tentar melhorar”, promete.
Outra que tem esse costume é a atendente Barbara Alves, 23. A moradora de São Sebastião comenta que, geralmente, pesquisa na internet sobre os sintomas que está sentindo e vai até uma farmácia comprar o medicamento. “Como minha família também tem esse hábito, pode ser que eu tenha ‘herdado’ isso deles, principalmente meus pais”, observa. Barbara comenta que tem ciência que a prática da automedicação pode virar uma dependência, se continuar fazendo isso com frequência. “Por isso, tento me policiar ao máximo, mas confesso que hoje não resisti e acabei comprando um medicamento para dor de cabeça, pois estava incomodada”, pontua.
Riscos
Também psiquiatra, Lucas Mendes aponta dois fatores como frequentes para explicar a automedicação. “Um deles é a busca por soluções mágicas e imediatas, além da crença de que um medicamento é capaz de tal feito. O segundo fator é a necessidade narcísica de controle do problema, ou seja, a pessoa acredita ser capaz de resolver o problema sozinho”, avalia. “Em ambos os casos, o paciente vai falhar miseravelmente”, alerta o especialista.
E os riscos para quem se automedica são variados, de acordo com Pedro Leopoldo. “É muito sério, porque dependendo do tipo de medicamento que a pessoa toma, pode criar um conjunto de efeitos negativos. Se for um antibiótico, pode criar uma resistência bacteriana ou uma complicação hepática ou renal”, destaca. “E, mesmo sendo um remédio mais comum, pode se criar um risco para a saúde e é preciso levar isso bastante a sério”, alerta o psiquiatra.
O especialista comenta sobre a importância de se medicar apenas quando estiver doente e após procurar um médico. “Parece uma pergunta simples, mas é muito importante. Com uma averiguação técnica, o médico vai checar a real necessidade de indicar um remédio no tratamento”, esclarece. “A função do especialista também é, muitas vezes, não medicar e explicar que não precisa de um medicamento, apenas esperar passar”, complementa Leopoldo.
Ele ressalta que, na posição de paciente, pode ser muito angustiante confiar na palavra do médico de que não precisa de um medicamento, mas faz um alerta. “Algumas doenças são autolimitadas. Quer dizer que o nosso corpo vai dar conta, sem a ajuda de medicação, de combater aquilo que está nos fazendo mal”, explica. “E isso, só é possível descobrir com uma avaliação médica. Ele quem vai dizer se pode esperar que o corpo reaja sozinho ou se será necessário entrar com algum remédio”, ressalta o especialista.
O hábito da automedicação também pode afetar o bolso do brasiliense. De acordo com uma pesquisa da IPC Maps, somente no ano passado, os moradores da capital do país gastaram R$ 3,02 bilhões com medicamentos — em comparação com 2021, houve um aumento de 6,1%, quando o valor gasto foi de R$ 2,84 bilhões. O impacto disso no orçamento ficou em 2,58%, em 2022.
Falta de atendimento
Os entrevistados apontam um motivo em comum como explicação para o hábito que têm: a falta de atendimento na rede pública de saúde. “Não tenho plano de saúde e, a dificuldade que enfrento quando vou até um posto de saúde, por exemplo, pode ser um dos motivos que me fazem ir direto à farmácia”, nota Barbara Alves. “Eles estão sempre lotados e a demora é longa. É por isso que as pessoas criam esse costume da automedicação”, ressalta.
Discurso parecido tem a diarista Marlene Machado. “A demora no serviço médico acaba levando as pessoas a esse vício de recorrer aos meios fáceis, como ir até uma farmácia”, avalia. “Muitas vezes, quando procuramos um atendimento, ele não é feito de imediato e a dor não espera, né? Então, as pessoas acabam recorrendo a um alívio momentâneo”, comenta.
Assim como elas, o lanterneiro Antônio Joaquim da Silva, 57, diz que a automedicação está ligada à dificuldade de se conseguir um médico. O morador de Sobradinho, que também tem o costume de tomar remédios por conta própria, não considera a prática como algo perigoso. “Faço isso desde sempre. Todo mundo toma, né? Não sabia da hipocondria, mas considero que não corro riscos por me automedicar”, confia.
O Correio procurou a Secretaria de Saúde para comentar sobre a falta de atendimento na rede pública, relatada pelos entrevistados, que os levam à prática da automedicação. Em nota, a pasta reforçou sobre os riscos de automedicação. “O uso inadequado de um medicamento pode ocasionar o agravamento de uma doença, esconder determinados sintomas, provocar reações alérgicas, dependência e até mesmo a morte”, destacou o texto.
Em relação aos atendimentos, a SES-DF ressaltou que, em 2022, mais de 5 milhões de pacientes foram atendidos na rede de saúde. “Isso dá uma média diária de aproximadamente 163 mil atendimentos por dia em todos os níveis de atenção, além de 2.443.326 consultas realizadas e 69.124 cirurgias de média e alta complexidade feitas em toda rede”, detalhou a nota.
Por- CB