BLOCO DAS MONTADAS REÚNE MAIS DE 100 MIL PESSOAS EM BRASÍLIA (DF)

A cena carnavalesca de Brasília (DF) serviu de palco a uma profusão de cores, ritmos e personagens ao longo de domingo (2). Em uma programação que desafiou o cansaço e o tempo e atravessou oito horas seguidas de folia, o já tradicional Bloco das Montadas atraiu mais de 100 mil pessoas que se concentraram nos arredores do Museu Nacional, região central da cidade, para prestigiar a agremiação. A estimativa de público é da própria direção do evento, gerido pelo coletivo Distrito Drag. A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não divulgou contagem própria até o fechamento desta matéria.

Com diversas atrações, o bloco se estendeu por toda a tarde e encerrou os trabalhos somente às 21 horas. A programação contou com a apresentação de nomes como Aretuza Lovi, Tati Quebra Barraco, Ane Êoketu, Romero Ferro e DJ’s, além da bateria da escola de samba brasiliense Capela Imperial e da Banda do Bloco das Montadas, um dos pontos altos do evento.

A universitária Maria Eduarda Alves conheceu de perto a festa do bloco em 2024 e decidiu retornar este ano com as amigas. “Ano passado eu não aproveitei muito porque choveu bastante, mas agora o clima ajudou”, realça, ao acrescentar que se sente atraída pela agremiação por conta do perfil inclusivo da festa. “Tem as músicas que eu gosto e vem gente heterossexual, gente LGBTQIA+, pessoas com deficiência, todo mundo. Acho muito animado”, continua Maria Eduarda.

O bloco aglutinou gente de todas as idades. No auge de seus 73 anos e exibindo uma alegria efusiva, a aposentada Mercês Parente não passou despercebida aos olhos de quem transitava pelos arredores do palco. “Eu nasci em fevereiro de 1952, em pleno carnaval. Sempre venho festejar porque me sinto leve, solta, viva. Gosto de blocos o ano inteiro e o que eu mais gosto neste aqui é o respeito, a liberdade, a autenticidade de as pessoas poderem ser o que são”, conta.

Nesta edição, o bloco decidiu fazer uma homenagem aos ritmos musicais brasileiros, intercalando sonoridades como pop, funk, forró, “sofrência”, tecnobrega, frevo e samba. A agremiação também se somou ao coro dos brasileiros que hoje aplaudem a atriz Fernanda Torres pelo desempenho no filme Ainda estou aqui, que fez história ao vencer o Oscar de Melhor Filme Internacional na noite deste domingo. Ganhadora do Globo de Ouro de melhor atriz em filme dramático, ela também concorreu ao Oscar na categoria de melhor atriz. “A gente caracterizou parte do bloco com os ritmos do Brasil e estampou a foto da Fernanda Torres nele porque a gente vive um momento ímpar do nosso país. É um momento de reconstrução, e essa reconstrução passa também pelos laços afetivos. O Carnaval tem a potencialidade de mostrar essa união do nosso povo”, afirma a drag Ruth Venceremos, da direção do bloco.

No meio da multidão, alguns foliões também mergulharam na onda de homenagens à atriz e ao filme. É o caso dos amigos Eduardo Santarelo, Maurício Fernandes e Diel Ferreira, que curtiram o bloco exibindo máscaras com o rosto de Fernanda Torres. “O que ela conquistou até aqui tem uma dimensão muito grande para todo mundo, inclusive pra gente, por isso a homenagem”, disse Santarelo.

Política

A política esteve presente no Bloco das Montadas de diferentes formas. Ao longo da tarde, no intervalo entre uma música e outra, um grupo de pessoas que beiravam o palco chegou a puxar um coro contrário à ideia de anistia para os envolvidos nos ataques do 8 de janeiro de 2023. “Não tem como fugir dessa pauta”, realçou a transformista Bebel Mendonça, ao rechaçar a tentativa da ala bolsonarista de fazer a medida avançar no Congresso Nacional.

O nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também foi lembrado por alguns foliões. Usando um adesivo que defendia a prisão do ex-capitão, o servidor público Anderson Vilanova sublinhou que “o Carnaval é sempre um ato político”. “Acho que tudo o que Bolsonaro fez [de errado] precisa ser levado em consideração para colocá-lo na prisão porque isso tende a ter um peso para o futuro do país. Nós todos precisamos acompanhar o andamento jurídico do caso e pressionar pela prisão”, opina.

Inclusão

A drag queen Pietra se engaja na agremiação desde 2018, mas este ano experimentou uma sensação diferente no evento: ela desfilou no palco como “diva do bloco”, com direito a faixa de rainha e muitos aplausos. “Todo ano é uma emoção diferente porque a gente vê a proporção que o bloco está tomando, quantas pessoas estão chegando. As famílias vão chegando, a gente olha e vê criancinha, senhorinha, todo mundo. Isso é muito potente. E é muito bom ver tantas travestis vivas aproveitando o carnaval”, exalta, ao lembrar o alto índice de violência no Brasil contra pessoas trans. “Por isso acho esse bloco tão incrível. A gente precisa muito falar desse carnaval com inclusão para todos os tipos de pessoas e corpos”, emenda Pietra.

E, por falar em inclusão, a festa contou com o trabalho da intérprete de libras Tatiana Elizabeth, que todo ano sobe ao palco para traduzir para pessoas surdas as letras tocadas no Bloco das Montadas. A presença de um profissional do ramo é obrigatória em eventos do tipo. “Mas, quando a gente trabalha para pessoas legais, que respeitam a gente e o nosso trabalho, é diferente. Já trabalhei em outros eventos e estou no Bloco das Montadas porque meu coração está aqui, as meninas são ótimas e eu me sinto respeitada. Já me considero até um patrimônio do bloco”, brinca a intérprete, que atua na área há mais de 20 anos.

Segundo a organização, o Bloco das Montadas mobiliza cerca de 200 pessoas em termos de empregos diretos, incluindo brigadistas, seguranças, produtores, artistas, entre outros. Cerca de 20 delas atuam diretamente na coordenação dos trabalhos, como é o caso de Ruth Venceremos. Em conversa com o Brasil de Fato, ela disse não acreditar no mar de gente que se formou diante dos seus olhos no complexo cultural. Este ano o Bloco das Montadas bateu o recorde de público de 2024, quando arregimentou entre 50 mil e 60 mil pessoas no Carnaval. “Fico emocionada porque, de fato, ganhou uma proporção que a gente não consegue dimensionar. Ver toda a área daqui [do Museu Nacional] até a rodoviária tomada de gente é uma das coisas mais lindas que pude presenciar nestes anos”, exalta a artista.

O Bloco das Montadas foi criado pelo Distrito Drag em 2018, quando também estreou no Carnaval de Brasília, atraindo na ocasião um público de 15 mil pessoas. A agremiação se apresentou na capital federal nos anos de 2019, 2020, 2023 e 2024, tendo suspendido a programação apenas durante a pandemia.

por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato

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