BANCOS PÚBLICOS LIDERAM RECUPERAÇÃO ECONÔMICA DO RIO GRANDE DO SUL APÓS AS ENCHENTES DE MAIO

Instituições como o bndes, banrisul, brde e badesul injetaram recursos que evitaram o colapso do estado e permitiram o crescimento da economia brasileira

Em maio, nem o mais otimista dos economistas conseguiria prever o crescimento de 1,4% do PIB brasileiro no segundo trimestre de 2024. Naquele mês, fortes chuvas no Rio Grande do Sul geraram um dos maiores desastres climáticos da história do país. Foram mais de 470 municípios impactados, vitimando 183 pessoas e deixando mais de 600 mil sem suas casas. Regiões de cidades como Porto Alegre, Canoas, Eldorado do Sul e Guaíba ficaram mais de 20 dias debaixo d ‘água. A destruição do estado prometia causar graves efeitos na economia nacional.

No entanto, a tragédia climática não se converteu em uma tragédia econômica, e os bancos públicos tiveram um papel fundamental nesse processo. Segundo um estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em 2023, essas instituições são importantes instrumentos de governos em períodos de crises, minimizando seus efeitos em detrimento da atuação dos bancos privados. Isso ocorre por meio de uma atuação anticíclica, quando o aumento da oferta de crédito e da liquidez do sistema estimulam o consumo das famílias e o investimento das empresas.

Foi exatamente essa a estratégia utilizada pelos bancos públicos após as enchentes no Rio Grande do Sul. Alisson Droppa, que participou da equipe que produziu o levantamento do Dieese, explica que os bancos públicos injetaram recursos para a manutenção da atividade econômica e a retomada do desenvolvimento no estado, ao contrário da atuação dos bancos privados.

“A primeira atitude dos bancos privados seria, dentro dessa lógica, fazer uma análise econômica de cada pessoa que vai lá pedir o crédito para reconstruir sua casa, reconstruir, comprar seus móveis, ou seja, retomar sua vida. Ele vai fazer uma pesquisa econômica e vai ver, olha, essa pessoa vai ter condições de arcar com esse custo ou não. Os bancos públicos, nesse sentido, fizeram ao contrário. Lógico, com recursos subsidiados via principalmente BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), concederam, criaram linhas de crédito que buscaram atender a parcela da população que não tinha nenhuma garantia para o pagamento dessas linhas de crédito para reconstrução de suas casas, para compra de imóveis, por exemplo”, afirmou.

Segundo Droppa, essa política adotada pelos bancos tem influência nos resultados econômicos obtidos a nível nacional. “Certamente, se não fosse essa atuação, de socorrer as empresas, as pessoas jurídicas, e socorrer também as pessoas físicas, nós não teríamos esse desenvolvimento. Quando a gente olha o papel do Rio Grande do Sul, a situação do Rio Grande do Sul pós-enchente, a gente observa que a tragédia do ponto de vista econômico não foi tão tragédia assim. Acho que o que permitiu essa saída do fundo do poço foi realmente a injeção de capitais, a injeção de capitais e a postergação principalmente de créditos que estavam para vencer”, disse.

Enchente no Rio Grande do Sul(Photo: Reuters/Amanda Perobelli)Reuters/Amanda Perobelli

BNDES já disponibilizou quase R$7 bi em capital de giro

O Banco Nacional de Desenvolvimento  Econômico e Social (BNDES) agiu rápido para prestar socorro à economia gaúcha. O banco de fomento inclusive montou um escritório em Porto Alegre e destacou uma parte de seu quadro de funcionários para operar na estrutura montada na sede do Conselho Regional de Contabilidade (CRC-RS). Lá, foram realizados atendimentos a entidades e associações empresariais, sindicatos e prefeituras sobre as medidas disponibilizadas pelas instituições.

Segundo o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, a agilidade das operações do banco após as enchentes foi seis vezes maior do que a média. “O atendimento às empresas e aos produtores atingidos pelas enchentes no Rio Grande Sul tem sido uma prioridade do BNDES e do governo do presidente Lula. Em uma velocidade seis vezes maior do que a média, o BNDES já mobilizou R$12,8 bi para empresas gaúchas afetadas pelas chuvas extremas, sendo a grande maioria para pequenas e médias empresas. Com mais de 34 mil operações, já são 445 municípios apoiados dentre os 497 existentes no Rio Grande do Sul”, explicou.

Ainda no final de maio, o BNDES anunciou o programa BNDES Emergencial, que possibilitou a contratação de até R$15 bilhões em crédito para empresas gaúchas de todos os portes. A iniciativa passou a operar em julho e, em apenas dois meses, alcançou a marca de R$6,8 bilhões aprovados em capital de giro para 2.905 operações. Isso fez com que o BNDES Emergencial se tornasse a principal via de contratação de crédito para as empresas atingidas pela enchente.

O programa conta com três modalidades de apoio. A primeira delas é o financiamento da aquisição de máquinas e equipamentos, para recompor a capacidade produtiva das empresas. A segunda é o financiamento de projetos de reconstrução e reforma de fábricas, galpões, armazéns e estabelecimentos comerciais. Por fim, o crédito emergencial possibilita o apoio financeiro para necessidades imediatas, como o pagamento da folha e fornecedores, a recomposição de estoques e gastos de manutenção.

Além do BNDES Emergencial, o banco também suspendeu completamente o pagamento de principal (“standstill”) – modalidade de acordo que busca unir os credores e adiar cobranças – e juros por até 12 meses para os clientes em cidades atingidas pelas enchentes. Ao todo, foram R$3,19 bilhões em parcelas suspensas.

Segundo o ex-ministro extraordinário da Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta (PT), as ações do BNDES já têm sua eficácia comprovada com os dados econômicos recentemente divulgados. “O BNDES tem sido um parceiro fundamental na retomada do crescimento econômico e social do Rio Grande do Sul. Os resultados já começam a aparecer nos números recentes da economia”, disse.

Edifício sede do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no Centro do Rio.(Photo: Fernando Frazão/Agência Brasil)EBC-EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO/Agência Brasil. Uso sob a Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil. CRÉDITO FOTOG

Afetados pelas enchentes, bancos públicos gaúchos foram os primeiros a socorrer o estado

O Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) foi uma das instituições mais afetadas pelas enchentes de maio. Além de ter dezenas de agências destruídas em diversos pontos do estado, o prédio que abriga a administração do banco, localizado no centro de Porto Alegre, também foi invadido pelas águas do Guaíba. Apesar das dificuldades, o Banrisul se manteve totalmente operacional durante o período da tragédia, e foi fundamental para viabilizar as primeiras ações de apoio à economia gaúcha.

Ainda no dia 8 de maio, quando boa parte das cidades atingidas pelas enchentes ainda estavam com bairros submersos, o banco anunciou R$7 bilhões em capital de giro e linhas de créditos especiais para atender os municípios em situação de calamidade pública. O programa Banrisul Reconstruir RS se tornou o maior programa de capital de giro da instituição nos últimos anos, beneficiando áreas como indústria, comércio, importações e exportações.

O Banrisul também lançou, juntamente com o governo do Rio Grande do Sul, o Pronampe Gaúcho, linha de crédito que disponibilizou R$250 milhões em recursos para a recuperação de 22 mil microempreendedores individuais (MEIs) localizados em municípios em estado de calamidade. 

O setor cultural, fortemente impactado pela enchente em Porto Alegre, foi contemplado pelas ações do banco. Diversos museus em diferentes cidades do Rio Grande do Sul ficaram semanas submersos, o que danificou suas estruturas e impediu a realização de eventos por meses. O Banrisul destinou mais de R$ 25 milhões para a recuperação de instituições culturais no estado, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), a Cinemateca Paulo Amorim (na CCMQ), o Memorial do Rio Grande do Sul, o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom) e a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), todos na capital; e o Museu Estadual do Carvão, em Arroio dos Ratos.

Mas o Banrisul não foi o único banco estatal gaúcho que atuou na retomada após as enchentes. O Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), banco de fomento administrado em conjunto entre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, também disponibilizou recursos para os empresários do estado. A instituição lançou o programa Em Frente RS, que disponibilizou R$325 milhões para empresas, com equalização de juros do Fundo Impulsiona Sul. O apoio tinha como segmentos prioritários os permissionários do Mercado Público de Porto Alegre e da Estação Rodoviária de Porto Alegre, comerciantes da CEASA-RS, bares, restaurantes e empresas do 4º Distrito de Porto Alegre, região da cidade com concentração de empresas dos ramos de gastronomia, entretenimento, inovação e arte.

Outra instituição estatal que atuou no socorro aos gaúchos foi o Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul (Badesul). Além de operar as linhas de crédito emergenciais do BNDES, o banco de fomento gaúcho disponibilizou suas próprias linhas de créditos para Micro e Pequenas Empresas em operações entre R$200 mil e R$500 mil. O Badesul também está sendo protagonista em um dos principais setores da economia gaúcha: o turismo. A instituição liberou, desde maio deste ano, R$10,1 milhões em financiamentos para empresas de turismo localizadas em cidades gaúchas atingidas pelas enchentes por meio do Fundo Geral de Turismo Emergencial (Fungetur Emergencial), do Ministério do Turismo.

Rio Grande do Sul. Foto: Gustavo Mansur / Palácio Piratini(Photo: Gustavo Mansur / Palácio Piratini)

Com mudanças climáticas, bancos públicos serão cada vez mais importantes

Nos últimos anos, o Brasil registrou um crescimento no número de eventos climáticos extremos, que impactam diretamente a vida da população. Além das enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, os incêndios na Amazônia e no Pantanal mostram que situações como essa se tornarão cada vez mais comuns caso a humanidade não consiga minimizar os efeitos do aquecimento global. Segundo Alisson Droppa, diante desse cenário, os bancos públicos se tornarão ferramentas cada vez mais importantes para os governos implementarem políticas públicas para minorar os impactos desses eventos na vida das pessoas.

Isso ocorre porque um dos principais modelos de atuação dos bancos públicos no Brasil é no financiamento de obras públicas, operações que envolvem grande risco e altos custos e, por isso, são evitadas pelas instituições privadas. É o caso de obras de prevenção de riscos e desastres, que cada vez mais ganham espaço no Orçamento Federal. Até 2026, o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai disponibilizar R$11,7 bilhões em obras desse tipo, sendo R$8,9 bilhões para drenagem e R$2,8 bilhões para contenção de encostas.

No entanto, Droppa alerta que a iniciativa desses investimentos deve partir dos agentes políticos, com os bancos públicos atuando como ferramentas para concretizar políticas públicas. “Dificilmente você vai ver um banco privado investindo em projetos que visem a minoração desses eventos climáticos. Por quê? Porque são projetos de alto custo e de grande risco. E pela característica dos bancos brasileiros, essa é a área de atuação realmente dos bancos públicos. Mas quando a gente fala de banco público também, acho que aí é a grande chave dentro dessa conversa, passa pelas políticas públicas. O banco público não é política em si.  Ele é uma ferramenta. E quem faz essa política pública são esses agentes políticos”, explica.

Por Otávio Rosso, 247

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