Ex-presidente do bloco, Cezinha de Madureira (PSD-SP) diz que a ‘bancada evangélica não tem dono’
Um novo racha paira sobre a eleição que vai definir quem presidirá a Frente Parlamentar Evangélica no último biênio do atual governo Lula.
De um lado, há parlamentares para quem Otoni de Paula (MDB-RJ), um dos candidatos mais competitivos, aproximou-se demais do petista, o que feriria os brios conservadores dessa bancada religiosa.
Do outro, uma ala vê o outro nome forte no páreo, Gilberto Nascimento (PSD-SP), como linha auxiliar do pastor Silas Malafaia -que diz não ter nada a ver com este pleito.
A eleição para novo líder da bancada havia sido marcada para esta quarta (11) pelo presidente do grupo, Silas Câmara (Republicanos-AM). Além de Otoni e Nascimento, disputam o posto Greyce Elias (Avante-MG) e Fernando Máximo (União Brasil-RO).
A data -que coincide com a tradicional Santa Ceia que a bancada promove todo dezembro- causou estranhamento nos bastidores do meio evangélico. O habitual é escolher o novo líder em fevereiro, quando os parlamentares retomam suas atividades após o recesso do fim de ano. Gilberto e Greyce pediram a impugnação da eleição, que acabou adiada para o ano que vem, como de praxe.
Otoni diz à Folha que ataques contra sua candidatura partem de “um grupo minoritário que mostra o quão pequena passou a ser nossa capacidade de fazer política do ‘p’ maiúsculo”.
Enquanto afirma que “a frente evangélica não é puxadinho do bolsonarismo”, do qual aliás já foi um fiel escudeiro, ele também diz que ela “não serve para atender a interesses do atual presidente”.
Sinaliza, no entanto, que Lula tem algum apreço seu. Se o rotularem de assecla do governo por prestigiar “políticas públicas que de alguma forma têm beneficiado nossa gente [os crentes], pois pegam a base da pirâmide social, aí eu não posso fazer nada”.
Otoni critica a esquerda de forma geral, mas diz que não lhe cabe “ficar xingando Lula”, numa reprise do “comportamento beligerante que um dia já tive” contra o PT.
Silas Malafaia não se furta a elogiar Gilberto Nascimento, que é decano da bancada e tem seu apoio nas eleições gerais. Seria um “deputado moderado, agradável a todos, de mais de dez mandatos”.
A Otoni reserva tom ríspido: “É um vira-casaca que até poucos dias era defensor intransigente de Jair Bolsonaro [PL], e agora ataca Bolsonaro e defende o governo Lula por causa de interesses. A questão é que o governo joga pesado para influenciar a decisão de quem vai ser o presidente. Estão desesperados”.
Otoni seria a bola lulista da vez, segundo deputados que lhe fazem oposição na bancada. Ele é pastor do Ministério Madureira da Assembleia de Deus e já foi soldado aplicado da tropa de choque bolsonarista. Em 2022, praguejou contra “Luladrão” no Congresso e disse que receberia “vagabundos” como militantes petistas “na bala”.
No ano passado, contudo, seu passe ideológico mudou após se aliar no Rio ao prefeito reeleito Eduardo Paes (PSD). Agora, ele é visto como uma ponte possível entre a esquerda e os evangélicos -e uma mais eficaz do que a parceria com pastores progressistas, de alcance reduzido na malha evangélica.
Otoni apareceu em outubro à frente de uma bênção coletiva a Lula, em foto capturada pelo fotógrafo oficial do petista, Ricardo Stuckert. O presidente havia sancionado na ocasião uma lei que criou o Dia Nacional da Música Gospel, gesto lido como afago à base evangélica, que lhe dá índices de rejeição maiores do que a média em pesquisas.
O deputado diz que estava lá como representante da bancada evangélica, a pedido de Silas Câmara, que não pôde ir. “Se meu pecado é orar por uma autoridade, como a Bíblia ordena, então estou em pecado.”
‘Bancada evangélica não tem dono’
Silas Câmara relativiza sua decisão de adiantar o pleito para novo líder da bancada. “Será que eu não fiz certo? Só eu perco com a antecipação. Meu raciocínio era que o novo presidente tivesse a oportunidade de dialogar em janeiro e fevereiro [com congressistas].”
Para Eli Borges, esta disputa se dá entre “um grupo que entende que tem que ter diálogo com o governo e outro que acha que não precisa, basta cuidar das pautas da igreja”.
Isso pode pôr em xeque a tradição de aclamar um líder sem testá-lo na urna, colocando a “possibilidade de votação” no horizonte, diz.
O batista Jorge Messias, ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) e raro quadro evangélico no primeiro escalão lulista, é apontado como interlocutor do governo com parlamentares da mesma fé.
Para Eli, da turma bolsonarista, essa gestão “se ilude achando que tendo alguém dela na frente terá o passe dos deputados”.
Greyce, que busca ser “a primeira mulher eleita presidente da frente evangélica”, chama de “sábia” a decisão de Silas Câmara de adiar essa eleição para 2025. O próprio concorda: “Se tem alguma coisa boa na suspensão do processo eleitoral é que se ganhou mais tempo para o diálogo”.
Ex-presidente do bloco, Cezinha de Madureira (PSD-SP), tomado como simpático à chapa de Otoni, diz que a “bancada evangélica não tem dono”, nem Bolsonaro e “muito menos Lula, porque o Lula não gosta de crente”. Ele, que em 2022 andou na garupa do ex-presidente durante uma motociata bolsonarista, hoje é encarado como um canal entre governo e evangélicos, apesar de ocasionais demonstrações públicas de desafeto.