ÁUDIOS PROVAM QUE ALA MILITAR TINHA PRESSA PARA DAR GOLPE DE ESTADO

Áudios mostram que integrantes das Forças Armadas pressionaram para colocar em prática o planejamento antes de 12 de dezembro de 2022, data da diplomação de Lula como presidente. Relatório da PF deve ser encaminhado à PGR nesta semana

Áudios capturados pela Polícia Federal, aos quais o Correio teve acesso, mostram que a ala militar, integrante da organização que pretendia dar um golpe de Estado, tinha pressa e fazia pressão para colocar em prática o plano contra o Estado Democrático de Direito. As gravações foram incluídas no inquérito elaborado pela corporação — entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) —, que detalha a trama para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin. O documento completo, com indiciamento de 37 pessoas, deve ser enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), até o fim desta semana, pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso na Corte.

Em um dos áudios, o tenente-coronel Mauro Cid indica que o golpe deve ser levado a cabo antes do dia 12 — investigadores da PF acreditam que se trate de 12 de dezembro, dia em que a chapa liderada por Lula foi diplomada como vencedora das eleições presidenciais.

Nas gravações, Cid conversa com Mário Fernandes, à época secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência. “Dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, né? Mas com certeza não vai acontecer nada. E sobre os caminhões, pode deixar que eu vou comentar com ele, porque o Exército não pode ‘papar mosca’ de novo, né? É área militar, ninguém vai se meter”, disse Cid, se referindo a caminhões que estavam estacionados na frente do Quartel-General do Exército, em Brasília, e que tinham sido multados.

Em seguida, Cid, de acordo com a PF, afirmou a Mário Fernandes que conversaria com o então presidente Jair Bolsonaro sobre o assunto. “Não, pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade, às vezes, né? Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, né? Ver os apoios que tem. Só que, às vezes, o tempo tá curto, né? Não dá pra esperar muito mais passar, né?'”, destacou.

Em outro trecho, fica claro para os investigadores que a intenção golpista seria colocada em prática antes do dia 12. Porém, Bolsonaro teria sinalizado ao general Mário Fernandes que poderia ocorrer a qualquer momento até 31 de dezembro, ou seja, um dia antes de Lula assumir a presidência.

A preocupação seria com a troca de comando nas Forças Armadas —fazendo com que oficiais nomeados por Bolsonaro saíssem dos postos de liderança e dessem lugar para os escolhidos pelo presidente Lula.

“Meu amigo, desculpe estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas são duas coisas. A primeira: durante a conversa que eu tive com o presidente ele citou ‘pô, o dia 12 não seria uma restrição, por ser a diplomação do vagabundo, qualquer ação nossa poderia acontecer até 31 de dezembro’. E eu disse: ‘Pô, presidente, a gente já perdeu tantas oportunidades’. Eu, meditando aqui em casa, pensei: a partir da semana que vem. Eu cheguei a citar isso para ele. Das duas uma: ou os movimentos de manifestação na rua vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos, e, aí, a gente perde o controle. Pode acontecer de tudo, mas podem esmaecer também”, relatou Fernandes a Mauro Cid.

Fernandes foi alvo da Operação Punhal Verde e Amarelo, lançada pela PF na semana passada para investigar crimes de golpe de Estado, associação criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele foi preso preventivamente, com outras quatro pessoas. A reportagem tentou contato com as defesas dos acusados, mas não obteve retorno.

Moraes ainda está analisando o relatório, de 800 páginas. Somente após avaliar informações e provas apresentadas, o ministro vai enviar o documento à PGR — responsável por definir se apresenta denúncia contra os 37 indiciados.

O ministro do STF não tem prazo para enviar o documento à Procuradoria, porém, a expectativa é de que isso ocorra nesta semana. A previsão inicial era de que o envio ocorresse nesta segunda-feira. No entanto, a quantidade de páginas atrasou o processo de avaliação.

Foram indiciados Bolsonaro, Mauro Cid, Mário Fernandes, os generais Braga Netto e Augusto Heleno, o ex-ministro Anderson Torres e outros acusados de envolvimento com a tentativa de derrubar as instituições democráticas.

O relatório vai se juntar, a princípio, a outras duas investigações que também estão na Procuradoria: a que trata da venda de joias sauditas e a da fraude nos cartões de vacinas de Bolsonaro e seus familiares. Fontes dentro da PGR afirmaram ao Correio que a entidade vê interligação entre os três casos e pretende apresentar uma denúncia conjunta, que deve ser enviada ao Supremo até fevereiro de 2025.

Porém, até o fim do ano, a Polícia Federal deve concluir a investigação sobre o esquema de espionagem que usou a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) — conhecido como “Abin Paralela”. A intenção é de que as provas e oitivas realizadas pela corporação se somem a outros fatos que estão em documentos enviados ao Supremo e à Procuradoria. Essa apuração também pode se somar a outras e reforçar uma eventual denúncia contra os investigados.

“Democrata é o cacete”

Os militares envolvidos na trama de um golpe de Estado após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, falavam sobre entrar em guerra civil contra “os vermelhos”, diziam ter “apoio maciço” da população e afirmavam que “qualquer solução não acontece sem quebrar ovos”.

As falas fazem parte de um conjunto de mais de 50 áudios obtidos pela Polícia Federal. Nas gravações, o tenente-coronel Mauro Cid — que na época era ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro —, o general Mário Fernandes, e os coronéis Reginaldo Vieira de Abreu e Roberto Raimundo Criscuoli discutem a trama para impedir a posse de Lula.

Em áudio enviado a Fernandes, Criscuoli ressaltou que a intervenção militar deveria ser feita de imediato. “Vai ser guerra civil agora ou vai ser guerra civil depois, só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo está na rua, nós temos aquele apoio maciço. Daqui a pouco, nós vamos entrar em uma guerra civil, porque, daqui uns meses, esse cara vai destruir o Exército, vai destruir tudo”, afirmou.

O coronel diz que a guerra civil será contra “os vermelhos” — termo usado por bolsonaristas para descrever “comunistas” ou “petistas”. “O presidente (Bolsonaro) não pode pagar para ver. Ele (Lula) vai destruir o nosso país. Vai esperar virar uma Venezuela pra virar o jogo? Democrata é o cacete, não tem que ser mais democrata agora. ‘Ah, não vou sair das quatro linhas’, acabou o jogo!. Não tem mais quatro linhas, o povo na rua tá pedindo pelo amor de Deus”, enfatizou Criscuoli.

Por Renato Souza, Mayara Souto e Isabela Stanga – CB

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