AMAZONAS DEVE SOFRER DURANTE ANOS COM AS CONSEQUÊNCIAS DA SECA EXTREMA

A seca histórica que afeta o Amazonas tem deixado marcados preocupantes no dia a dia da população e na vida dos animais da região

O Amazonas sofre com os impactos da seca que atinge a região Norte. É possível contabilizar consequências devastadoras para a vida das comunidades locais e a fauna aquática, com a morte de animais. Para especialistas ouvidos pelo Metrópoles, os efeitos da estiagem extrema devem persistir por anos.

Segundo a Defesa Civil amazonense, todos os 62 municípios do Amazonas estão em estado de emergência em decorrência da seca. O órgão destaca, ainda, que a estiagem afeta pelo menos 598 mil pessoas na área.

A seca no Amazonas é resultado direto do fenômeno climático El Niño, responsável pelo aquecimento das águas do Oceano Pacifico, e das mudanças climáticas. A Amazônia é conhecida pelo papel no ciclo da água global, mas sofre com as mudanças nos padrões de chuva na Região Norte.

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Sem chuva e com as temperaturas nas alturas, os rios que banham o Amazonas têm registrado níveis cada vez mais preocupantes. E, com isso, a população amazonense não consegue se locomover pelo estado, prejudicando parte do sustento que vem das águas.

Rios da Bacia do Amazonas dão sinais de estabilidade em meio à seca

O líder da aldeia Três Unidos, em Manaus, Valdemir Kambeba, contou ao Metrópoles que a economia da comunidade é gerada, em especial, pela visita de turistas e venda de produtos de artesanato. No entanto, com a seca, as pessoas não conseguem mais alcançar o território indígena.

 “A seca não trouxe boa coisa. Então, fica difícil o acesso para a gente, perdemos os nossos visitantes. O turismo que trazia a geração de renda, e os barcos de linha que conduziam para fazer alguma compra em Manaus não está mais chegando”, lamenta Kambeba.

O líder indígena acrescenta que a população tem sentido os impactos da seca também na alimentação, uma vez que a atividade pesqueira está cada vez mais difícil em decorrência do baixo nível das águas. “Os peixes foram para o lugar mais fundo do rio e, para chegar até lá, a gente gasta três, quatro horas de viagem para pegar os peixes.”

Segundo Kambeba, os peixes que permaneceram nas águas mais baixas trouxeram consigo doenças para comunidades indígenas, como diarreia e cólicas intestinais.

“Essa vermezinha é consumida pela água contaminada e vai para a carne do peixe. Esse verme vai se envolver no intestino da gente, onde vai causar dor de barriga, aquela dor de cólica intestinal, febre muito alta, dor no corpo”, conta o líder indígena.

A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, informou ao Metrópoles que está em contato com as equipes médicas que atuam na região e acompanham a situação das comunidades indígenas.

“Até o momento, não há notificação de ocorrência de contaminação local, por água ou alimento nas 11 aldeias que compõem o polo-base de Nossa Senhora da Saúde”, informou a Sesai.

Morte de botos

Além dos impactos para a vida da população indígena, a seca trouxe consequências severas para os animais aquáticos da amazônia. Segundo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, 176 botos morreram no interior do Amazonas. A suspeita é de que os animais não tenham resistido ao calor intenso na região.

Rafael Rabelo, coordenador de Pesquisa e Monitoramento do Instituto Mamirauá, explica que é normal registrar a morte de peixes durante o período de seca na região amazônica, no entanto, o óbito dos botos chama a atenção.

“A questão dos botos que foi o grande diferencial, uma espécie icônica para a Amazônia e, aí, a gente começou a registrar essa grande mortandade de animais. Em 30 anos de pesquisa com mamíferos aquáticos aqui na região, isso nunca tinha sido registrado”, esclarece Rabelo.

“Com o nível da água mais baixo, os animais acabaram ficando isolados. Em alguns locais, a temperatura da água também aumentou bastante. Uma banheira quente, com altas temperaturas, e acabaram morrendo muito provavelmente por causa de hipertermia”, acrescenta o coordenador de Pesquisa do Instituto Mamirauá.

Questionado sobre quanto tempo os botos vão levar para recuperar os animais mortos em decorrência da seca histórica, Rafael Rabelo salientou que “é muito difícil de estimar, mas certamente vai demorar alguns anos”.

Crise de abastecimento

Para Marcos Castro, professor de geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), uma das principais consequências da seca para a população do Amazonas é a dificuldade de acesso a alimentos básicos, aqueles que estão presentes na cesta básica.

“Muitas comunidades não urbanas, ribeirinhas, sofrem com o desabastecimento de alimentos e de água também. Muitos lagos são represados, e os peixes acabam morrendo”, alerta Marcos.

O professor da Ufam acrescenta que a população amazonense tem muita dependência dos rios, tanto para o deslocamento quanto para o comércio.

“A gente tem de se preparar para os extremos, tanto os da cheia quanto os da seca. A gente tem que de preparar construindo infraestruturas que possam permitir o acesso das populações que ficam no semi-isolamento, construir meios de abastecimento prévio para o período da seca, inclusive abastecimento de água”, enfatiza Marcos Castro.

Confira a nota completa da Sesai sobre a contaminação dos indígenas:

O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), entrou em contato com as equipes da região para verificar a situação relatada pela reportagem. Até o momento, não há notificação de ocorrência de contaminação local, por água ou alimento nas 11 aldeias que compõem o polo-base de Nossa Senhora da Saúde.

A população local conta com equipe de saúde formada por enfermeiro, médico, quatro técnicos de enfermagem, dentista, agente de saúde bucal, oito agentes indígenas de saúde e três agentes indígenas de saneamento., que atendem em todas as aldeias. Esta equipe recebe mensalmente medicamentos e insumos médicos para atendimento dos indígenas da região.

É importante ressaltar que o Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, por meio das equipes dos Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs), realizam o monitoramento de notificação de rumores nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas

Estes centros são unidades de inteligência epidemiológica de detecção, verificação, avaliação, monitoramento e comunicação de risco imediata de potenciais emergências em saúde pública e atuam, por meio de um processo contínuo e sistematizado de coleta, consolidação, análise, monitoramento e avaliação de dados, indicadores e informações estratégicas para viabilizar uma resposta rápida e integrada entre as três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde.

Por Maria Eduarda Portela – Metrópoles

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