ADVERTIDOS POR MILITARES DE “RUMORES DE GOLPE”, TOFFOLI E ARAS SUGERIRAM ANTECIPAR A DIPLOMAÇÃO DE LULA. TSE E PT ACATARAM

Ex-PGR relatou alertas aos baianos Rui Costa e Jaques Wagner. Ministro do STF procurou general Gonçalves Dias, indicado ministro do GSI, e ao colega Alexandre de Moraes

Por Luís Costa Pinto, em Brasília

  No dia 20 de novembro de 2022, durante a celebração de seu aniversário no Bar dos Arcos, subsolo do Teatro Municipal, em São Paulo, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, reuniu uma fauna diversa de atores da cena política nacional. Estavam lá Nelson Jobim, ex-ministro Defesa de governos dos petistas Lula e Dilma Rousseff e também ministro da Justiça e do STF indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo que relatou a denúncia contra a cúpula do PT na Ação Penal 470 entre 2011 e 2012; Kássio Nunes Marques, um dos dois ministros do STF indicados por Bolsonaro; Alexandre de Moraes, ministro do Supremo e então presidente do TSE; Jorge Oliveira, coronel reformado da Polícia Militar do Distrito Federal e ministro do Tribunal de Contas da União indicado pelo presidente que se despedia do cargo, íntimo de todo o clã Bolsonaro; Fábio Faria, então ministro das Comunicações do Governo que se encerrava. Em conversas paralelas mantidas no convescote, Toffoli disse aos circunstantes que atuava para amenizar as tensões entre o presidente eleito, Lula, e o que fora derrotado, Bolsonaro. Numa dessas conversas paralelas, chegou a dizer que seu objetivo era “impedir um acirramento na relação que agite ainda mais manifestações golpistas de bolsonaristas inconformados com o resultado eleitoral”. O jornal Folha de S.Paulo registrou a inconfidência no dia seguinte. Na festa, o ex-ministro Nelson Jobim revelou ter recusado o convite feito por Lula para voltar ao posto no Ministério da Defesa no início do terceiro mandato dele. Jobim chancelou a escolha do ex-deputado e ex-ministro do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro, para o cargo. Até ali, a diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente eleito se daria no último dia do prazo legal estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral: 19 de dezembro.

O diapasão das conversas estabelecidas pelo aniversariante deixou-o na condição de receptor privilegiado de informes e alertas extra-oficiais de militares – ativos e da reserva – que davam conta da movimentação de um “aparelho golpista”. Efetivamente, Toffoli recebeu mais de um informe nesse sentido e levou-os a sério. Então procurador-geral da República, Augusto Aras, que se conservava estático na ribalta, porém, atuava ativamente nas coxias de Brasília para o ainda presidente Jair Bolsonaro, derrotado na tentativa de reeleição, acatar o veredito das urnas, recebeu as mesmas advertências. Os dois não sabem se as fontes originais eram as mesmas. Contudo, confiavam nos relatos dando conta de renitentes “movimentações golpistas”. Desde 2021, quando atuaram em linha e em sintonia para desmontar em silêncio o primeiro arreganho golpista realmente efetivo de Bolsonaro, a dupla trocava figurinhas sobre o desenvolvimento do drama brasileiro – uma Nação vivendo no limiar de novas aventuras antidemocráticas.

Toffoli e Aras conversaram sobre os ruídos captados a partir de fontes militares e combinaram que passariam os alertas adiante. Acertaram agir com cuidado para não trincar o frágil cristal das relações que vinham estabelecendo (ou restabelecendo, no caso do ministro do STF) com o núcleo de poder vitorioso no pleito de 2022. O objetivo desse “aparelho golpista” flagrado em movimento era impedir a diplomação de Lula e gerar perturbações sociais e políticas no País. A cronologia das ações bate com a investigação da minuta de decretação de Estado de Sítio e de decretação de GLO – Garantia da Lei e da Ordem – que justificassem, cancelar a solenidade formal no TSE. A diplomação de um presidente eleito decreta o fim do processo eleitoral e determina a inexorabilidade da troca de comando no País – ou seja, a partir dali, o resultado da eleição vira fato consumado. Bolsonaro, nem até aquele momento, nem depois dele, acatou a derrota nas urnas.

Aras chamou à sua casa os amigos baianos Rui Costa, ainda governador da Bahia, e Jaques Wagner, senador e conselheiro sênior muito ouvido por Lula, e contou o que ouvia de “fontes que merecem crédito”. Ao fim da narrativa, o então procurador-geral foi peremptório: sugeriu aos petistas que brigassem para antecipar a diplomação do presidente eleito, pois aquilo desarticularia os preparativos para a intentona golpista. Em linha paralela, Dias Toffoli procurou o colega de STF, Alexandre de Moraes, presidente do TSE e senhor do calendário da Corte Eleitoral, e o general Gonçalves Dias (encarregado da segurança pessoal de Lula e da família dele durante a campanha e que seria indicado como ministro do Gabinete de Segurança Institucional na primeira formação do ministério do terceiro mandato lulista) para asseverar os apelos pela antecipação da diplomação. As alegações de Toffoli eram as mesmas de Aras. No dia 28 de novembro, depois de receber lideranças políticas de diversos matizes, Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a antecipação da diplomação no TSE, do dia 19 para o dia 12 de dezembro, pediu que todos comparecessem e deixou que vazasse a informação. A assessoria do TSE confirmou a antecipação logo depois.

Em 9 de dezembro, na sexta-feira anterior à diplomação do adversário como presidente eleito, e ainda sem admitir oficialmente a derrota, ao cabo de longo silêncio sobre o processo eleitoral, Jair Bolsonaro resolveu ressurgir no início da manhã diante de um grupo seleto de apoiadores no espaço celebrizado como “chiqueirinho do Palácio da Alvorada”. Com olhar perdido, sem encarar nenhum dos presentes diretamente, parecendo falar em códigos, soou emblemático. “Tenho certeza que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo”, disse. E prosseguiu: “Quem decide o meu futuro, por onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas, são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara e o Senado, são vocês também”. À luz de tudo o que iria ocorrer em 8 de janeiro de 2023, parecia ou um lamento, ou uma senha convocatória.

Em razão das advertências trazidas à luz por Aras e Toffoli, no dia 12 de dezembro, uma semana antes do programado, o presidente do TSE entregou o diploma de posse ao petista Luiz Inácio Lula da Silva para que ele cumprisse o terceiro mandato como presidente da República. Alexandre de Moraes, de viva voz, cuidou de ligar para cada um dos personagens que gostaria de ver presentes no auditório do Tribunal Superior Eleitoral naquela manhã de um verão inesquecível em Brasília. Fez isso em paralelo à supervisão direta dada à organização do esquema de segurança. As vias de acesso ao prédio do Tribunal Superior Eleitoral pelas avenidas L2 e L4, na Asa Sul de Brasília, começavam a ter barreiras de contenção dois quilômetros antes da chegada ao pátio de manobristas. O estacionamento foi evacuado. Moraes já tinha feito algo semelhante meses antes, quando insistiu em falar pessoalmente com Jair Bolsonaro e pedir que fosse, republicanamente, à posse dele como presidente da composição do TSE que legitimaria o pleito de 2022. Naquela ocasião, foi Moraes quem marcou o lugar destinado a Lula na primeira fila do auditório do TSE exatamente em frente a Bolsonaro. Ele queria os dois frente a frente, antes mesmo dos debates que se dariam no curso da campanha, porque acreditava que produziria distensão entre os antagonistas.

A antecipação da diplomação do presidente eleito desarticulou apenas momentaneamente o ambiente golpista vislumbrado pelo então PGR Augusto Aras e pelo ministro do Supremo, Dias Toffoli, a partir da leitura conexa da conjuntura passada a ele por diversos atores da cena militar.

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