80 ANOS DA PRESIDENTE VARGAS: AS HISTÓRIAS DA ‘CICATRIZ’, ABERTA COM 500 DEMOLIÇÕES, QUE MUDOU O RIO

Símbolo do Estado Novo de Vargas, via de 4 km de extensão e 80 m de largura foi palco de paradas militares, desfiles de carnaval, Chacina da Candelária e protestos.

Há exatos 80 anos atrás, uma obra monumental transformou a cara do Rio e facilitou a ligação do Centro com a Zona Norte da cidade.

Com 4 quilômetros de extensão e 80 metros de largura, a Avenida Presidente Vargas foi inaugurada em 7 de setembro de 1944, como um símbolo do Estado Novo de Getúlio Vargas e, desde sua construção, coleciona histórias que se confundem com a do Rio.

É um passado cheio de controvérsias. O que hoje é avenida, antigamente era casa, loja, igrejas históricas. Uma parte viva da cidade que foi demolida para dar lugar aos prédios e aos carros.

Os pesquisadores frequentemente se referem à Presidente Vargas como uma ferida, um rasgo, uma cicatriz.

“Uma grande cicatriz urbana. Porque ela divide a cidade, né? É uma das maiores cicatrizes urbanas que nós temos!”, diz o arquiteto Carlos Fernando Andrade.

A ideia surgiu no fim da década de 1920 no projeto do arquiteto francês Alfred Agache, que sugeriu uma avenida perpendicular à Rio Branco ligando o centro mais antigo à Cidade Nova.

A proposta ficou na gaveta até ser resgatada e apresentada pelo prefeito Henrique Dodsworth ao presidente Getúlio Vargas, em 1938. As obras começaram em 1940.

Demolições

Igrejas precisaram ser demolidas para a passagem da avenida — Foto: Reprodução/TV Globo

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Uma das primeiras vítimas da construção foi a lendária Praça Onze, demolida em 1941.

“Na Praça Onze, você tinha alguns terreiros de candomblé, destruídos! Algumas sinagogas… Então, a Praça Onze, você tinha um setor com um emaranhado de grupos sociais muito distintos, a diáspora baiana que a gente vai chamar, muitos portugueses, espanhóis, judeus, ciganos que vinham sobretudo do Catumbi”, explica o historiador Rafael Soares Gonçalves.

Conforme o trabalho ia avançando, mais pedaços da história iam ficando para trás: a estimativa é de mais de 500 imóveis demolidos – de todos os tamanhos, alguns de muita importância.

“Os primeiros tombamentos do Brasil, que foram feitos no atacado, são de 1938 e curiosamente os primeiros destombamentos foram feitos para a abertura da Presidente Vargas, que foi o próprio Campo de Santana, que perdeu um pedaço e a Igreja de São Pedro dos Clérigos, que era a única igreja de planta barroca da cidade, que foi uma grande discussão. Houve um projeto mirabolante de andar com ela…”, explica o arquiteto Carlos Fernando Andrade.

Três etapas

A princípio, a avenida se chamava 10 de novembro, data do golpe dado por Getúlio Vargas que instituiu o Estado Novo.

Os trabalhos começaram pelo trecho mais perto do Canal do Mangue e foram divididos em três fases:

  • do mangue ao Campo de Santana, concluída ainda em 1941;
  • do Campo de Santana até a Uruguaiana, em 1942, quando passou a se chamar Presidente Vargas.
  • da Uruguaiana à Rua Primeiro de Março, concluída em 7 de setembro de 1944.

O fim da obra foi celebrado com uma parada militar.

Avenida Presidente Vargas completa 80 anos — Foto: Reprodução/TV Globo

“São dois símbolos muito fortes do Estado Novo: a chegada do operário com o relógio marcando a hora do trabalho e o Ministério da Guerra, os dois maiores edifícios art decó do mundo vieram pra cá, para a Presidente Vargas”, explica Carlos.

Protestos, carnaval, bancos, chacina

Protestos em 2013: manifestantes enfrentam policiais militares durante protesto na Avenida Presidente Vargas, onde ocorria o Desfile Cívico e Militar de 7 de Setembro. — Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

Por algumas vezes, a avenida das apresentações militares também foi o lugar onde o povo manifestou suas reivindicações em manifestações.

A Presidente Vargas, que expulsou o sambista da Praça Onze, foi a mesma que anos depois acolheu – até a criação do Sambódromo – os desfiles de carnaval das escolas de samba.

É a avenida dos antigos bancos, símbolo apagado de um capital que já não reside mais por lá.

Avenida Presidente Vargas completa 80 anos: na calçada, homenagem a vítimas da Chacina da Candelária — Foto: Reprodução/TV Globo

Avenida por vezes de aspecto abandonado — como abandonadas foram algumas das crianças que viveram e morreram aqui, como as vítimas da Chacina da Candelária, quando seis menores e dois adolescentes foram executados na porta da igreja.

“Quando a gente vê o tamanho dessa avenida, ela rasga de alguma forma o que era o Rio popular, era uma parte nevrálgica do Rio de Janeiro, culturalmente falando”, diz o historiador Rafael Soares Gonçalves.

Avenida Presidente Vargas vista do alto — Foto: Reprodução/TV Globo

Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, com a Igreja da Candelária ao fundo — Foto: Reprodução/GloboNews

Por Danilo Vieira, RJ2

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